Verão termina daqui a uma semana. E esta é a única boa notícia
verão

Não sei se é esta a percepção de vocês, mas ultimamente os sites de notícias – que eu, por obrigação de ofício, preciso revirar diariamente – estão oferecendo pouca reflexão. As notícias que se acumulam costumam causar raiva ou medo, mais do que algum outro sentimento que possa sugerir mudança. E sim, precisamos encarar: é preciso mudar.

As questões climáticas são meu foco de estudo. E é justamente nesse aspecto que as novidades trazem muito medo. Ao ponto de as pessoas preferirem não pensar, não ler. E é este o problema.

Que o planeta está em franco processo de aquecimento, disso sabemos há, pelo menos, 36 anos, quando foi criado o Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC na sigla em inglês) justamente um ano depois do lançamento do relatório ‘Nosso Futuro Comum’. O relatório foi escrito por 21 líderes mundiais, a convite da então primeira ministra da Noruega Gro Brundtland e, em linhas gerais, avançava nas preocupações sobre o clima em nossa era.

“Globalmente, as nações mais ricas estão em situação melhor, do ponto de vista financeiro e tecnológico, para lidar com os efeitos de uma possível mudança climática’, diz o relatório na página 52, primeira vez que a expressão “mudança climática’ aparece na publicação.

Na verdade, o documento deixa clara uma preocupação com os bens naturais, lá chamados de “recursos naturais”, porque desde a primeira conferência do meio ambiente, em 1972, já se sabia que eles são finitos. A questão toda era econômica. Não deixou de ser, mas hoje é preciso tomar atitudes mais severas por conta da necessária transição energética. Anos, muitos anos depois da publicação do Relatório Nosso Futuro Comum, a ministra Gro Brundtland esteve no Brasil e eu a entrevistei.  O ano era 2006. A norueguesa respondeu à minha pergunta sobre o maior imbróglio da humanidade no novo século:

“A energia, não podemos ficar sem energia. E vai ser preciso elencar várias fontes”.

Essa introdução faz o link para a notícia que eu gostaria de compartilhar com vocês. Deu no jornal britânico ‘The Guardian” que a taxa de derretimento de gelo da Groenlândia vai servir aos cientistas, este ano, para fazerem a previsão sobre o verão na Europa. E a previsão é: vai ser quente, bem quente.

“A localização, a extensão e a força dos eventos recentes de água doce sugerem um verão invulgarmente quente e seco no sul da Europa este ano”, diz a matéria.

Não sei se vocês se lembram, mas no verão europeu passado, quando aqui no Brasil estávamos vivendo um inverno de temperaturas amenas delicioso, a Europa torrava. E eu, sempre atenta às questões climáticas, me perguntava como seria o nosso verão. A resposta veio rápida: em novembro tivemos a primeira onda de calor. O que quer dizer que o verão brasileiro, este ano, vai durar em média cinco a seis meses.

Em outra notícia no mesmo “The Guardian”, o Serviço de Alterações Climáticas Copernicus da União Europeia anuncia que o mês de fevereiro foi 1,77ºC mais quente do que a média pré-industrial do mês, de 1850 a 1900, e 0,81ºC acima dos níveis de 1991-2020. A temperatura média global dos últimos 12 meses – entre Março de 2023 e Fevereiro de 2024 – foi a mais elevada de que há registro: 1,56ºC acima dos níveis pré-industriais.

Portanto, já estamos no 1,5° acima dos níveis pré-industriais, coisa que o Acordo de Paris, assinado pelos países das Nações Unidas em dezembro de 2015, tentara evitar. As consequências têm sido sentidas por nós, aqui no nosso microcosmo. Minha conta de luz este mês está altíssima, porque não pude prescindir do ar condicionado, mas isso é o de menos. Houve inundações, a seca fez aumentar o valor dos alimentos.

Quando escrevo a esse respeito, sempre penso em pessoas que moram nas nações-ilha do Pacífico, tipo Tuvalu, Ilhas Maurício. Tuvalu é um dos países mais ameaçados pelas mudanças climáticas. O aumento do nível do mar vai fazer submergir suas nove ilhas em poucas décadas. Foi um dos países mais valentes nas negociações para se conseguir o Acordo de Paris. Mas, hoje, já ciente de seu infeliz destino, o país tenta arrumar um jeito de não desaparecer totalmente.

Durante a COP27, que aconteceu no Egito em 2022, o ministro das Relações Exteriores do país, Simon Kofe, anunciou um plano para Tuvalu se tornar a primeira nação digital do mundo.

“Nossa terra, nosso oceano e nossa cultura são os bens mais preciosos de  nosso povo – e, para manter tudo isso seguro de danos, não importa o que aconteça no mundo físico, iremos nos mudar para a nuvem’, declarou.

Mas é claro que jogar tudo na nuvem não resolve o problema das pessoas que estão morando num país que vai afundar. A elas restará pedir asilo na Austrália. O país está entre os dez com melhor Índice de Desenvolvimento Humano do mundo, segundo ranking publicado ontem pela ONU. Mas quer receber os migrantes de pouquinho em pouquinho. E sabe-se lá o que vai exigir deles…

Não, esse texto não tem moral, e talvez nem mesmo o fechamento dele seja épico. Espero, ao menos, ter dado subsídios para boas reflexões.

A mim, resta saber que o verão que nos castigou vai ficar para trás daqui a uma semana. Que venham dias mais amenos, que os eventos extremos nos dêem uma trégua. Porque nós, como humanidade, já mostramos que não temos condições de viver no planeta sem degradá-lo.

Vou repetir aqui o que diz Stefano Mancuso, autor italiano que escreve lindamente sobre plantas: somos a única espécie que destrói seu próprio habitat.

Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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