Primavera sem vozes
cedae

Ficamos sabendo que a Cedae usou lantânio, um metal pesado que está contido nas 190 toneladas da argila modificada, o Phoslock, para reduzir a geosmina na água. São muitos nomes esquisitos. E dá uma certa angústia saber que tudo isso estará em nossos organismos. Nem é bom pensar muito.

No outro quesito, o de alimentos, ficamos sabendo que o Brasil já atingiu, no ano passado, o recorde de consumo de agrotóxicos altamente perigosos. Segundo o site Mongabay (https://brasil.mongabay.com/2020/03/brasil-atinge-recorde-de-consumo-de-agrotoxicos-altamente-perigosos-diz-relatorio/), em 2019 o governo de Jair Bolsonaro aprovou 474 novos pesticidas — o número mais alto em 14 anos. As importações de pesticidas no Brasil também bateram um recorde histórico, quase 335 mil toneladas de agrotóxicos em 2019, um aumento de 16% em relação a 2018.

Não é de hoje que a humanidade se envolve com venenos contra si mesma. Neste sentido, uma boa ideia é buscar informações que possam nos alimentar de um outro jeito. Sugiro a leitura de “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson. A bióloga norte-americana foi a responsável pelo movimento que acabou causando a extinção do DDT nos Estados Unidos. Infelizmente, isso só aconteceu depois de sua morte. Carson morreu de câncer.

A bióloga Rachel Carson — Foto: U.S. Fish and Wildlife Service

Uma mulher miúda, de voz calma e muito gentil, Rachel Carson revolucionou o mundo da agricultura denunciando o mal causado por produtos químicos que vinham tomando força como grandes defensores contra insetos e pragas. Talvez ela não tenha sido a primeira a alertar para o fato de que não há milagres e que tudo tem dois lados. Se podiam livrar-nos de perder produções agrícolas inteiras e de não contrairmos doenças, tais produtos também estavam aspergindo sobre humanos e sobre o meio ambiente uma carga poderosa de toxicidade.

Carson foi a pioneira, isto sim, ao demonstrar os efeitos colaterais dos pesticidas com uma linguagem poética. Seus textos foram editados, primeiramente, pela revista “The New Yorker”. Em 1962 foram compilados e receberam o título de “Primavera Silenciosa”, tornando-se uma espécie de bíblia para os ambientalistas.

O título do livro é explicado logo no início. Carson descreve uma cidade fictícia, no coração dos Estados Unidos, onde todos os seres vivos pareciam estar em harmonia, até que uma “estranha praga se infiltrou naquela região e tudo começou a mudar”.

“Algum tipo de feitiço maléfico se instalou na comunidade, misteriosas doenças atacaram as galinhas; o gado e os carneiros adoeceram e morreram. Por toda parte, pairava a sombra da morte. Os fazendeiros falavam de muitas doenças em sua família […] Havia uma estranha quietude. Os pássaros, por exemplo, para onde tinham ido? Muitas pessoas falavam neles, confusas e inquietas. Os alimentadores de pássaros nos quintais estavam desertos. Os poucos pássaros que se viam estavam moribundos; tremiam violentamente e não conseguiam voar. Era uma primavera sem vozes”, conta Carson.

A partir dessa fábula, Rachel Carson se lança a desvendar e a explicar o fenômeno. Uma das mais inquietantes justificativas tem a ver com os produtos químicos usados pela agricultura para livrar a terra de pragas. E Carson repete a frase do pensador franco alemão Albert Schweitzer (1875-1965): “O ser humano mal reconhece os demônios de sua criação. Ele acabará destruindo a Terra”.

A bióloga e zoóloga expõe um tema árido com muita doçura.  Por conta disso, seus detratores, desacostumados a enxergar lirismo na vida, não a pouparam. Carson, que sempre preservou muito sua privacidade, viu-se de hora para outra no meio de um turbilhão político depois que mexeu com forças poderosas do centro econômico da época.

“Disseram-me que meu livro era muito mais venenoso do que os produtos que eu estava denunciando como venenos. Intoxicada com a sensação de seu poder, a humanidade parece estar se envolvendo cada vez mais em experiências de destruição de si própria e de seu mundo”, disse ela, à época.

A história da bióloga foi encenada, por quase trinta anos, pela atriz Kaiulani Lee – de “Law and Order”. A peça, escrita pela própria atriz, se chamou “A Sense of Wonder” (que pode ser traduzido como “Sensação de espanto”). A peça foi encenada em mais de cem universidades, colégios, conferências nacionais e regionais sobre conservação, meio ambiente, educação. Em 2007 foi assistida por parlamentares e público no Capitol Hill, em Washington.

Enfim, tudo isso é para estimular a reflexão sobre nossos tempos, tão profundamente tóxicos e perigosos para a raça humana. O período pós pandemia será uma oportunidade para alavancar mudanças em nosso estilo de vida. Tudo pode começar… agora! A leitura de “Primavera silenciosa” (Ed. Gaia) será um bom início.

Outra sugestão será assistir a série sobre “Minimalismo: um documentário sobre as coisas importantes”, disponível no Netflix. Porque reduzir o consumo, seja na hora de comer ou na hora de decidir comprar – seja lá o que for – vai ser de grande ajuda para promover a mudança que se quer.

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