Um raro encontro cheio de significados
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Aconteceu no Museu do Amanhã.

E eu estava lá, pude ver, sentir, e posso compartilhar. Porque foi lindo, e porque estamos precisando de notícias que nos resgatem o bem estar e a crença de que a humanidade é viável.

Um bando de meninos e meninas, mais de cinco ou seis dezenas, estudantes de uma escola municipal de uma comunidade periférica do Rio de Janeiro, visitava o museu pela primeira vez.

Os olhares inquietos, curiosos, tentando descobrir o que está por trás, tentando decifrar códigos desconhecidos, denunciavam que a visita estava sendo bem aproveitada. Em “Cosmo”, a primeira parada da exposição permanente do Museu, um vídeo que escarafuncha as raízes mais profundas da humanidade e tenta responder à pergunta: “De onde viemos?”, deram gritinhos de terror quando as imagens mostraram o espaço sendo alterado, asteroides se chocando no universo, grandes animais caminhando ruidosamente.

Em ‘Terra’, exposição seguinte, as crianças quase se perderam no meio dos cubos de fotos. Estímulos visuais fortes, de peso, atraíram a atenção. Os professores que os acompanhavam quase não aproveitaram o que estava ali para ser visto. Porque aqueles pequenos e pequenas, em idades que variavam entre os 9 e 12 anos, têm, tinham, energia de sobra e muita curiosidade. Perdê-los seria fácil, se os olhos piscassem.

Até que… qual abelhinhas que se veem atraídas por um favo de mel, quase todos voltaram as costas para algo que estava sendo dito por um dos educadores do Museu e saíram em carreira para o sentido contrário. Como eu estava por perto, e já familiarizada à algazarra, acompanhei aquele movimento com imensa curiosidade.

O que teria atraído a atenção deles e delas, num ambiente tão diverso e pleno de novas informações?  Gente. Simples assim.

Explico melhor: um casal classe média trabalhadora do Reino Unido estava ali com seus três filhos. Por óbvio, o biótipo deles se destacava pela lourice dos cabelos e pelo azul dos olhos. Os meninos também tinha sarda.

As crianças da escola – volto a dizer que muitas nunca tinham saído da comunidade onde moram – sentiram-se atraídas pelo diverso. Cercaram o casal e os três filhos, fazendo perguntas. Por sorte eram pessoas tranquilas, que não se incomodaram. Ao contrário, respondiam a cada apelo, com graça e simpatia. Todos os meninos e meninas queriam ouvir o som de seus nomes emitido por vozes de outra língua. Foi um suceder de pedidos.

Os pais se divertiam e os três filhos, que no início estavam tímidos, vendo a reação dos adultos passaram a achar engraçado e a interagir também. Ficaram assim, nesse diálogo de afeto, por vinte, trinta minutos.

Cercados por estímulos visuais vibrantes, cores e informações – nem todas de fácil acesso para a idade deles, é preciso  notar – as crianças alcançaram o apogeu da visita quando se aproximaram de pessoas diferentes delas. Voltando para casa, com a cena ainda na cabeça, pude refletir sobre a nossa capacidade indelével de buscarmos encontros. Somos gregários.

Ainda mais por isto, o nosso momento atual, com duas guerras absurdas a pintarem de vermelho vergonhoso nossa era, parece muito mais indecoroso.

Stefano Mancuso é um autor que considero dos mais sensíveis da nossa atualidade. Ele é um botânico italiano que tem um tremendo respeito pelas plantas, escreve sobre elas e adverte: a verdadeira potência planetária é a das plantas. Até porque, sem elas não existiria a humanidade.

Ao mesmo tempo, Mancuso faz outra observação insofismável: o homem é a única espécie capaz de destruir seu próprio habitat. Temos uma natureza predatória, infelizmente. As guerras não mostram outra coisa.

Concordo com Mancuso, mas me permito aqui abrir uma janela de otimismo. Aquele encontro inédito e raro no Museu do Amanhã, quando crianças buscaram outras crianças para fazer contato num mundo desconhecido para elas, mostra-nos que nossa natureza pode ser, também, afável. Precisamos de gente, o que explica habitarmos tanto as cidades.

Se conseguirmos levar adiante este sentimento, se nos unirmos à nação das plantas para tentarmos recuperar o que já depredamos do planeta, certamente estaremos em um caminho diferente, da saúde. Não estou sob efeito do pozinho de pir lim pim pim da pesonagem Emilia, de Monteiro Lobato, mas quero crer que já estamos no topo de nossas irresponsáveis e irrefletidas atitudes.

Está na hora da virada. Daqui a pouco alguém vai organizar um grande show, como foi em 1985 o lançamento da música “We Are The World’, que arrecadou milhares de dólares para acabar com a pobreza na África. Precisamos acabar com as guerras, não podemos permitir que líderes incapazes tenham em mãos poderes tão cruéis.

Sigo com a linda cena que vi no Museu a afetar-me os dias positivamente. Quero ser como as plantas, que respeitam a Terra como a casa comum da vida. E que respeitam a vida como o valor maior.

Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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