“Os humanos tecem juntos. Se um desiste, outro cai”.
Não sou muito de gostar de frase motivacionais, mas esta aí me arrebatou. É de Anja Rosken, uma jovem de 13 anos, nascida na Eslovênia, que ganhou um prêmio pelo desenho que fez, de duas mãos tecendo algo com uma lã representada por vários seres humanos. O desenho (que está acima) foi escolhido entre outros 600 mil.
Junto ao desenho, Anja mandou um texto, com a frase acima seguida de outras, como esta: “Estamos todos ligados ao nosso planeta e uns aos outros, mas infelizmente temos pouco conhecimento disso”.
A escolha do desenho foi feita em maio de 2022, portanto antes de Anja ser obrigada a viver este atual tempo de tantos horrores. Assistimos em casa, na sala de jantar, no celular, no computador de mão, a cenas de guerra violentíssimas, com morte de crianças inclusive. Sem chance de retrucar, de intervir. Sem chance.
Assim mesmo, os líderes de nações e empresários de todo o mundo estão se preparando para a COP28, Conferência das Partes ancorada pela ONU que acontecerá de 30 de novembro a 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (EAU).
Sim, é isso mesmo que vocês estão lendo: com duas guerras em andamento, o mundo vai se reunir para debater a respeito do impacto das mudanças do clima sobre a humanidade. Parece paradoxal, e é. Já tem uma turma exigindo que se cancele o evento, sobretudo pelo fato de ele acontecer nos Emirados Árabes Unidos, a dois mil quilômetros da Faixa de Gaza, onde se concentra a maior parte dos conflitos. Não é tão perto, mas é na região.
Os que defendem a realização do encontro têm um forte argumento: estamos vivendo um momento crítico das mudanças climáticas, e é preciso levar adiante os acordos que estão sendo conseguidos a fórceps. Na noite de sábado, dia 4 de novembro, numa renião preparatória para a COP28, em Abu Dhabi, foi conseguido um acordo para a criação de um “Fundo de perdas e danos” destinado aos países mais atingidos pelos eventos extremos causados pelo clima. E isto precisará ser levado a Dubai, onde deverá ser oficialmente adotado o Fundo.
Os que condenam a reunião em Dubai pensam numa espécie de retaliação, para mostrar ao mundo quão paradoxal é o fato de as Nações Unidas estarem reunidas num lado para achar soluções a problemas que podem causar mortes quando, no mesmo Hemisfério, bombas atingem até hospitais e maternidades, matando velhos, crianças, homens e mulheres a rodo. Sim, vivemos na era dos paradoxos, dos extremos, sei lá… Na verdade, numa era difícil, acho que este seria o melhor termo.
No ano passado aconteceu a COP27 no Egito. No mesmo ano, em fevereiro, começou a guerra na Ucrânia, que também tem tirado vidas humanas de civis e militares.
Diante desse cenário, e da ineficácia comprovada dos acordos feitos até agora, não é difícil concordar com a sueca Greta Thunberg, para quem “As COPs são usadas principalmente como uma oportunidade para os líderes e pessoas no poder chamarem a atenção, usando muitos tipos diferentes de lavagem verde”.
No mês passado, durante a abertura da Cúpula da Ambição Climática, em Nova York, o secretário-geral da ONU, António Guterres, deu uma dura declaração, que corrobora o sentimento de Greta. O português lamentou a falta de ambição dos governos, criticou as grandes empresas que fazem promessas obscuras e não se comprometem, verdadeiramente, com mudanças na produção para diminuir os impactos ao meio ambiente.
“O futuro não está decidido, cabe a líderes como vocês escrevê-lo. Ainda podemos limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C e construir um mundo de ar limpo, com empregos verdes e energia limpa e acessível para todos. Devemos recuperar o tempo perdido por causa da lentidão, das pressões e da ganância dos interesses arraigados que ganham trilhões com os combustíveis fósseis”, disse Guterres.
É justamente neste ponto que quero voltar ao desenho e ao texto de Anja Rozen. “Outros tecem ao meu lado minha própria história”, disse a menina. “E eu teço a deles”.
Não se deve desprezar tal sabedoria, sobretudo quando vem de uma criança recém-entrada na puberdade. E se você, caro leitor que chegou até aqui, está se perguntando – “O que eu posso fazer para ajudar?”- saiba que não está sozinho. A angústia é de todos, todas, todes nós, comprometidos com qualidade de vida para nós e para futuras gerações.
Nas redes sociais, uma imagem que chamou a atenção semana passada, corrobora o sentimento de que há quem esteja pensando em outros caminhos. E inclui a infância nessa busca.
A imagem mostra uma espécie de monumento, ou estátua, na China, retratando uma gangorra. Do lado que mais pesa está uma menina com vários livros. Do outro lado, um jovem com um celular na mão. A mensagem é: a sabedoria vem dos livros e, por isso, tem mais peso.
Não é para condenar a tecnologia, mas fica a torcida para que a geração de Anja Rozen saiba transformá-la em ferramenta adequada em vez de se tornar refém dela.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.