Com otimismo, podemos dizer que nossa era avançou bastante em tecnologia de dados. Com pessimismo, precisamos constatar que nem sempre uma profusão de dados adianta alguma coisa para se mudar o cenário. Seja ele ambiental, humano.
Nesta semana, a Secretaria de Ambiente e Clima do Município do Rio de Janeiro divulgou a informação de que retomou a divulgação das listas das espécies nativas de fauna e flora ameaçadas de extinção na cidade. O último relato desses foi divulgado exatamente há 22 anos, na virada do século. No trabalho atual executado por uma comissão de pesquisadores e especialistas da área em outros órgãos, listaram-se 348 espécies da flora ameaçadas de extinção e 174 espécies da fauna que estão sob o mesmo risco.
Cará, Palmito Jussara, Pau-Brasil (sim! Ele, que deu nome ao país!) , onça parda, jacaré-de-papo- amarelo, o nosso velho conhecido mico leão dourado e o macaco bugio ruivo são algumas das espécies que, possivelmente, daqui a algumas gerações não serão mais visto na natureza. Diz o informe da Secretaria de Ambiente:
“Vale destacar que o Rio de Janeiro possui mais de seis mil espécies nativas registradas, dentre fauna e flora, e pode estar entre as cidades mais ricas em número de espécies no Brasil e no mundo”.
Confesso que não sei muito bem o que podemos fazer, de posse dessas informações, a não ser entristecer. O que deu errado, quando paramos de ouvir a nós mesmos, desde a primeira Conferência do Meio Ambiente, que aconteceu na capital sueca em 1972?
Tenho aqui na minha estante o pequeno livro “Only one Planet – The Care and Maintenance of a Small Planet” (“Um só planeta – o cuidado e a manutenção de um pequeno planeta”, em tradução literal), escrito por Barbara Ward e René Dubos após a Conferência de Estocolmo. Naquele tempo, em que ainda não tínhamos tanto acesso a dados como agora, o hábito era ler livros em papel.
O prefácio do relatório/livro foi assinado por Maurice Strong, secretário da Conferência, que depois se tornou diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Segundo ele, o texto é “o resultado de um experimento único de colaboração internacional”. Quatorze anos depois, Strong ajudaria em outro relatório feito a várias mãos, que se chamou “Nosso Futuro Comum”, encabeçado por Gro Brundtland, então ministra da Noruega.
Uma leitura bem atenta dos dois textos mostra claramente a gradação da percepção humana com relação aos problemas que teríamos que enfrentar, considerando que os bens naturais não são finitos. É interessante notar que os autores, representantes de nações (no caso do texto de Estocolmo, de 58 países, e 21 na Comissão Brundtland) tinham uma visão bastante crítica à miséria, à prosperidade que só atingia algumas nações. Ainda não tinha viralizado a expressão desigualdade social, mas era do que se tratava.
A extinção das espécies, que é o que nos interessa neste texto, só entrou no radar de preocupação global em 1986, no relatório que criou a expressão “desenvolvimento sustentável”.
“Há muitas maneiras de uma sociedade se tornar menos capaz de atender no futuro às necessidades básicas de seus membros e a exploração excessiva dos recursos é uma delas. A extinção de espécies vegetais e animais pode limitar muito as opções das gerações futuras: por isso o desenvolvimento sustentável requer a conservação dessas espécies”, diz o texto do Relatório Brundtland.
E aqui estamos nós, trinta e seis anos depois, lastimando o risco de extinção, apenas na cidade do Rio de Janeiro, de 522 espécies. A lista dos ameaçados segue o critério da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN na sigla em inglês), organização criada nos anos 40, dedicada à conservação da natureza, que reconhece Maurice Strong como “líder no movimento do meio ambiente”.
No site da IUCN, há um alerta colorido que diz:
“O mundo aspira a estabilizar o declínio da biodiversidade e colocar a natureza no caminho para recuperação até 2030. A Lista Vermelha da IUCN inclui 128.918 espécies, dos quais 35.765 (28%) estão ameaçados com extinção. Alguns grupos são reconhecidamente ameaçados: anfíbios (41%), tubarões (31%) e corais (33%) com maiores riscos de extinção desde 1990”.
Não há moral nessa história. Talvez sirva como um aviso para muitos de nós, que possamos estreitar o contato com nossa natureza ao redor, aumentando o respeito pelas coisas vivas, diminuindo o consumo de coisas mortas que só se acumulam em armários, bolsas, casas. Nem que seja para aproveitar o que ainda nos resta, e respeitar as espécies que vão surgindo. Cada um tem seu caminho, o importante é passar a perceber esta urgência.
Vou terminar este texto com um pequeno trecho do livro de David Kopenawa, o xamã yanomami que, em conversas com o etnólogo Bruce Albert, produziu o livro “A queda do céu” (Ed. Companhia das Letras). É um relato cheio de magia que dá ao leitor a noção exata do respeito que os indígenas têm pelo ambiente. Diferentemente do que pensavam os especialistas que escreveram os relatórios de 72 e 86, a ideia é que natureza e humanos são parte do planeta. Somos todos seres vivos, afinal.
“As bananas não nascem sozinhas à toa! As bananeiras são mulheres-plantas. Seus frutos nascem porque elas ficam grávidas e parem. É assim com tudo o que cresce nas roças e na floresta. As mulheres-plantas primeiro ficam grávidas. A gravidez dura algum tempo, e depois elas dão à luz. É então que seus frutos aparecem. Eles nascem como os humanos e os animais”.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.