Dia de dar duas boas sugestões para vocês.
A primeira é a leitura de “A vida não é útil”, último livro do xamã Aylton Krenak, editado pela Companhia das Letras.
Como sempre acontece quando leio livros de Krenak, sou tomada por duas sensações muito fortes. “Não é possível, ele é muito catastrofista” é a primeira, logo seguida por uma tomada de consciência: “É… ele tem razão”. E esta última sensação prevalece.
É imprescindível ler Krenak, pensar sobre o que ele nos ensina a partir da sabedoria de seu povo indígena. Neste livro, escrito durante a pandemia, o xamã agrega informações sobre o que aconteceu em sua aldeia assim que a pandemia foi anunciada.
“Há quase um mês, nossa reserva indígena foi isolada […] Vivemos hoje esta experiência de isolamento social, como está sendo definido o confinamento, em que todas as pessoas têm de se recolher. Se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados da ruptura ou da extinção do sentido da nossa vida, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar nossa demanda”, escreve Krenak.
A maioria de nós, humanos, hoje, prefere viver em cidades, e isto não é à toa. É nos grandes centros urbanos que surge a possibilidade de trocar, de criar, pois o humano é gregário. Não à tôa, o Relatório Mundial das Cidades 2022, publicado pelo ONU-Habitat nesta semana, aponta que população mundial será 68% urbana até 2050. E a estimativa é que a população urbana aumente em 2,2 bilhões de pessoas anualmente até 2050.
Ocorre que há especialistas apontando a superpopulação como a grande causa da crise civilizatória que estamos vivendo. Não há alimentos para todos? É porque tem muita gente. As cidades não oferecem bem-estar a seus habitantes? É porque tem muita gente. Há pobres demais no mundo? É porque tem muita gente.
Mas, como sabemos, não é bem assim. Afinal, se a causa dos problemas é o humano, o planeta deveria ser habitado apenas por bichos? Ou será que a classe mais privilegiada quer que os excluídos do sistema ponham pé no freio no legítimo desejo de procriar? Diz Krenak:
“A Terra tem o suficiente para todas as nossas necessidades. Mas, se você quiser uma casa na praia, um apartamento na cidade e um Mercedes-Benz, não tem para todo mundo”.
Esta lógica insofismável permeia todo o livro de Krenak, e é a chave para que o leitor deixe de lado a sensação de que está lendo um texto apocalíptico.
“Não sou um pregador do apocalipse, o que tento é compartilhar a mensagem de um outro mundo possível. Para combater esse vírus, temos de ter primeiro cuidado e depois coragem. É hora de contar histórias às nossas crianças, de explicar a elas que não devem ter medo”, escreve ele.
A ideia é aproveitar o pensamento do Xamã e trazer para o nosso dia a dia algumas pílulas desse conhecimento que não é da tecnologia, que não é do mercado financeiro, mas tem a potência da vida simples, que preserva em vez de destruir o ambiente ao redor.
“Quem vive na cidade experimenta (o desaparecimento dos mundos) com a mesma intensidade porque tudo parece ter uma existência automática: você estende a mão e tem uma padaria, uma farmácia, um supermercado, um hospital. Na floresta não há essa substituição da vida, ela flui, e você, no fluxo, sente a pressão”, escreve Krenak.
É sobre a consciência de estar vivo que Aylton Krenak escreve. Deste pensamento vem a provocação do título; “A vida não é útil”. É muito mais do que isto.
A segunda sugestão que faço a vocês é acompanhar nesta quarta-feira, dia 6 de julho, a partir das 9h, o encontro “Infância sem fronteiras: Diálogo Virtual da Literatura Infantil Sino-Brasileira”. Recebi este convite por email e decidi compartilhar porque acredito que possa ser bem interessante, sobretudo para as pessoas que têm crianças e têm desejo de incentivar o hábito da leitura (de livros!!).
A promessa do encontro é promover “a aprendizagem mútua entre as civilizações”. E refletir sobre o papel da literatura infantil como uma ponte para o entendimento entre os jovens. O melhor é que vai ter apresentação, tanto de trechos da obra de Mauricio de Sousa, quanto a leitura de trechos do livro “Eu Sou Hua Mulan”, escrito para crianças pela autora chinesa Qin Wenjun.
Participarão da mesa: Mauricio de Sousa, Gabriel Chalita, Ilan Bremann e as escritoras chinesas Qin Wenjun e Yin Jianling. Obviamente vai ter tradução do mandarim. O evento pode ser assistido aqui: https://web.facebook.com/instconfucio.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.