Sobre a Incerteza Viva
Francis Alys - Da série In a Given Situation [Em uma dada situação], 2016

Narrativas e Incertezas é um texto de Mia Couto publicado durante a 32a Bienal de São Paulo. Um nome sugestivo para nós, que atualmente atravessamos um momento de tantas dúvidas sobre o presente e o futuro. Retomamos aqui fragmentos dessa a reflexão, que ela possa nos inspirar de alguma forma a lidar com as incertezas vivas.

A Arte ilumina questões de época. Ela antecipa assuntos difíceis de serem traduzidos pela ciência, ou a ética, criando linguagem expressiva para o que ainda não tem nome ou ainda não pode ser conceituado.

Sensíveis aos sutis movimentos do planeta, aos comportamentos humanos e aos conflitos que dele derivam, os artistas e escritores contemporâneos endereçam respostas sugestivas ao momento presente, e aos sujeitos lançados nas imprevisibilidades do presente. Transitamos entre as supostas verdades da religião, da economia e da política e as incertezas que sucedem o desgaste provocado pela ação humana.

Em consonância com os questionamentos que nos invadem em tempos de reclusão, sugerimos leituras que não necessariamente passam pelo assunto “pandemia”, mas que projetam novos olhares a algumas incertezas que já faziam parte desse mundo.

A abdicação de antigas certezas implica um confronto com os nossos medos mais antigos e profundos. A nossa consciência é sedimentada pela acumulação de convicções. Não podia ser de outro modo: temos que estar certos de que o que aprendemos é uma ferramenta segura para um mundo inseguro. Mas faz falta reconhecer o quanto nos tem valido a aceitação tranquila da incerteza. O mundo parece ser feito de regras. Tudo indica que essas regras foram testadas e comprovadas como imutáveis e
universais. Mas o mundo é feito também de uma parcela de caos, de contingência e de acaso. Ensinaram-nos a ter medo desse caos. Disseram-nos que esse caos era uma morada dos demônios
. In PROCESSOS ARTÍSTICOS E PEDAGÓGICOS – Mia Couto, p. 4, Caderno Educativo 2

Hoje quer-se celebrar a certeza como expressão de um mundo homogeneizado pelo mercado. Sentimo-nos no fim do mundo onde não há rede de internet. Mesmo que, para mais de sessenta por cento da humanidade, esse acesso seja apenas uma miragem. Pertencemos a uma rede, o que quer dizer que partilhamos de um mesmo solo, de uma mesma identidade. Se há razão para temer as incertezas, haverá outras tantas razões para temer a certeza. Porque, afinal, a certeza pode excluir, pode afastar-nos da complexidade e diversidade do mundo, pode criar uma falsa ideia de segurança e de superioridade racional e moral. Se os radicais religiosos (e outros fundamentalistas) tivessem menos certezas viveríamos, com certeza, num mundo mais seguro e mais feliz. (…) Amo a incerteza como amo a certeza. Mas talvez seja hoje necessário fazer um elogio faccioso a favor do que é incerto. Ao fim e ao cabo, a incerteza é um abraço que damos ao futuro. A incerteza é uma ponte entre o que somos e os outros que seremos. ibid, p. 6

Sem título (Garoto com jarro) , 2000
Francis Alÿs – Fonte: Drawingsandnotes

O texto de Mia Couto pode ser acessado na integra a partir desse link localizado no Caderno Educativo 2.

Além do texto de Mia Couto você pode consultar todo o material educativo da Bienal, uma compilação de textos sobre a obra de 12 artistas da mostra e ensaios de outros autores convidados como Milene Rodrigues Martins, Rodrigo Nunes e Virginia Kastrup.

Sem título, 2002
Francis Alÿs – Fonte: Drawingsandnotes

Diante de condições incertas e variáveis, a tentativa de realizar mudanças e transformações na vida e no ambiente em que uma pessoa se insere pode tomar rumos diversos. Se, por um lado, pode ser uma fonte de desafios profundos e estimulantes para aqueles que se identificam com o espírito heroico, propenso a aventuras, por outro, pode levar a um estado de paralisia diante da dúvida naqueles que identificam que, em processos de escolha, sempre há ganhos e perdas. Isso porque a ideia de que poderíamos nos preparar previamente para o inesperado sugere também a possibilidade de que nos deparemos com um cenário totalmente novo, decorrente de nossas escolhas. Portanto, aprender a fazer escolhas diante de contextos incertos pode ser uma forma de desenvolver uma relação mais amorosa com a incerteza, transformando-a num valor a ser alimentado, como sugere o filósofo Edgar Morin em Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, 2000. In PROCESSOS ARTÍSTICOS E PEDAGÓGICOS – Valquíria Prates p. 13, Caderno Educativo 1

“Incerteza viva: Processos artísticos e pedagógicos” e uma compilação de cadernos organizados pela equipe do educativo da Bienal de São Paulo e disponível para download pelo link de forma totalmente gratuita.

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