A tão aguardada volta à vida normal, sem pandemia, reflete o nosso reencontro com o lado de fora de nossas casas, o meio ambiente que nos cerca. Mas será que queremos mesmo que volte tudo a ser como antes?
Pelo mundo afora, uma sensação de que o Corona vírus está sendo, finalmente, derrotado, vem tomando conta. Aqui no Rio, as escolas já estão funcionando presencialmente, por exemplo. Cinemas e teatros estão abertos. A vida vai voltando. Lado a lado com o alívio, porém, toma corpo entre as pessoas que não se acomodam, uma profunda preocupação com o que se anuncia como o grande recomeço. Uma pesquisa recente feita no Reino Unido mostrou que somente um quarto das pessoas entrevistadas querem a volta ao normal. A maioria quer mudanças.
Entre essas pessoas que querem mudanças, aqui no Brasil, estão os signatários do Grupo Carta de Belém e mais de 80 outras organizações da sociedade civil que assinaram o “Manifesto rumo à COP26”.
Como se sabe, a Conferência do Clima deste ano será realizada em Glasgow, na Escócia, a partir do dia 1 de novembro. E existe uma enorme expectativa, por parte das tais pessoas que não se acomodam, no sentido de que essa reunião possa organizar melhor algumas coisas. Melhor para todos, não apenas para alguns.
Ao mesmo tempo, porém, existe também um ceticismo, alimentado de forma legítima pelo fato de muitos desses encontros internacionais terem se revestido de uma retórica quase inútil. Mas, considerando que resultados pífios não são zero resultado, no fim e ao cabo conclui-se que ainda vale a pena participar.
Diz o Manifesto que a grande promessa da COP26 é a finalização do Livro de Regras do Acordo de Paris. Firmado em 2015, o Acordo aguarda a regulação dos mercados de carbono e de transações envolvendo ‘resultados de mitigação’ – para atingir os objetivos de estabilização da temperatura do planeta. O Livro seria uma espécie de ata para oficializar tais medidas.
Mas a maior crítica, por parte das associações que assinam o manifesto, começa justamente desse ponto. “Mercado de carbono é licença de poluição’, diz o texto.
“Os mecanismos de mercado criados para a redução das emissões de gases de efeito estufa, representam um processo histórico de reconfiguração das formas de acumulação e promovem nova reengenharia global da economia em nome do clima”.
A segunda maior crítica é o fato de a COP 26 ter, segundo os manifestantes, “as piores condições para a participação democrática na história das negociações climáticas”.
Diante disso, os signatários do Manifesto elencaram cinco itens, que podem servir como sugestões para serem lidas pelos participantes da Conferência. Dessa forma a sociedade civil pode se sentir, minimamente, participante também.
A necessidade de um projeto político para a Amazônia, construído para e com os povos amazônidas, é um dos itens principais da lista. Demarcação de terras indígenas e quilombolas e a defesa do protagonismo desses povos, juntamente com agricultores familiares e camponeses/as para a conservação dos territórios são outras questões importantes.
O fortalecimento das iniciativas agroecológicas também ganhou destaque no Manifesto, assim como a necessidade de se discutir “amplamente o caminho para uma Transição Justa e Popular, conforme a qual uma economia mais integrada e consciente dos limites da natureza não acirre a já dramática situação de desemprego e restrição da renda de famílias da classe trabalhadora”.
Se há alguma chance de se perceber um único dado positivo como resultado desse período de trevas que estamos vivendo, este é o fato de as pessoas estarem, hoje, mais conectadas à vida. É de se compreender, pois passamos por muitas mortes. E se conectar à vida traz mudanças de hábitos, de costumes, de valores. Muita gente passou a se conectar mais com a saúde, assim como ao nosso entorno. Valorizar o meio ambiente e dar atenção aos alertas que a Ciência vem dando para os impactos da nossa atividade sobre o clima é, pois, uma descoberta para muitos.
Como estou ligada ao tema há quase duas décadas e sou jornalista, tenho recebido outros manifestos, o que denota uma movimentação interessante da sociedade civil no momento pré-COP. Um exemplo é o “Planetary Health Alliance” (https://www.planetaryhealthalliance.org/spd-signatories) , também no seio das Nações Unidas, assinado por grandes organizações globais.
Trata-se de um documento que também entende que é preciso uma grande reestruturação pós Covid. Este é ancorado pela jovem sueca Greta Thunberg, que também assina um outro com um pedido interessante e extremamente necessário: que as crianças passem a ter educação ambiental nas escolas públicas, desde a mais tenra idade.
E o que ensinar às crianças sobre o meio ambiente? Penso que respeito é um bom começo. Que tal vermos ética nas plantas e nos bichos, tanto quanto na terra e no mar? Entendo ética como um valor que permeia as relações não só entre as pessoas, mas também das pessoas com os seres vivos que nos cercam. Dessa forma, seria um grande, um enorme ganho começar a vida já percebendo o quanto ficamos maiores quanto mais nos aproximamos de tudo o que colabora para nos manter vivos.
É isso que pavimenta o caminho para trocar a chave do TER para o SER. Que nosso grande recomeço pós-tormenta parta desse princípio.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.