Hoje é dia 31 de julho de 2023, está um dia bonito e com temperatura amena no inverno do Rio de Janeiro, segunda cidade mais populosa do país.
O habitante ou visitante da Zona Sul da cidade que olhou para cima no sábado dia 22 percebeu que o monumento tradicional, o Cristo Redentor, apresentava uns números em seu corpo. Mais especificamente, uma espécie de relógio, contando que faltam 5 anos e 364 dias para se limitar o aquecimento global a 1.5 °.
Para quem acompanha os debates climáticos, 1.5° é o máximo que, segundo os cientistas, podemos deixar ir o aquecimento global. Depois disso, a humanidade passará a sofrer mais eventos extremos do que já vem sofrendo. Tendo ouvido esse alerta, em 2015, em Paris, os líderes assinaram um Acordo Climático, em que se comprometem a fazer de tudo para manter o aquecimento a 1.5 °.
Sendo assim, a mensagem do Relógio Climático instalado no Cristo Redentor, que chegou aqui pelas mãos do Instituto Talanoa, é clara para as pessoas que estão acompanhando as notícias sobre os impactos causados pelo aquecimento global. Mas serve também para informar aqueles que ainda estão começando a se inteirar do tema.
No próprio evento, que aconteceu no sábado 22 no Corcovado, havia ativistas ambientais que ajudaram as pessoas a pensarem uma lista de coisas que podem ajudar, aqui no Brasil, a conter o aquecimento global: transporte público eletrificado, economia circular, logística reversa, saneamento básico para todos e desmatamento zero em todos os biomas. As equipes se dividiram, no Corcovado, para conversar com o público e distribuir material informativo.
A pergunta é: o que será feito então?
O Relógio do Clima existe desde 2020, e se junta a outro alerta, o Relógio do Juízo Final, que mede simbolicamente o fim dos tempos provocado por ações antropogênicas. Este é um movimento organizado pelo Boletim dos Cientistas Atômicos, da Universidade de Chicago (EUA) e já avisou, em janeiro deste ano, que a humanidade nunca esteve tão perto do cataclismo planetário devido à Guerra na Ucrânia. Estamos a 90 segundos desse apocalipse.
De novo vale a pena perguntar: o que será feito, o que tem sido feito?
Este texto não tem a pretensão de dar essa resposta. A pretensão é outra: é provocar uma reflexão sobre esses momentos que geram uma tensão, possivelmente com o desejo de provocar mudança de hábitos e atitudes nos cidadãos comuns.
Não é ruim mudar hábitos, e estamos mesmo precisando olhar mais para o entorno, fazer mais contato com o meio ambiente, cuidar do que consumimos e, sobretudo, quanto consumimos. O contrário disso é gerar medo, tanto medo que nos deixe a todos meio paralisados ou, pior, com um sentimento de que nada mais pode ser feito, portanto… deixa tudo pra lá.
Nesse momento da minha reflexão, trago o pensamento do escritor moçambicano Mia Couto e seu discurso proferido em 2011, durante a Conferência de Estoril sobre segurança. Mia Couto decidiu instigar a plateia com um texto, escrito para a ocasião, que afirma: “Há quem tenha medo que o medo acabe”.
“O que era ideologia passou a ser crença. O que era política, tornou-se religião. O que era religião, passou a ser estratégia de poder. Para fabricar armas, é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos, é imperioso sustentar fantasmas… O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade, imprevisível”.
Quando, na verdade, deveríamos estar num momento de forças juntas, o que temos é um medo espalhado que nos afasta.
Para combater isso, a ideia é, precisamente, juntar nossas ações, ajustar nossas medidas, seguir em frente. Dá para consumir um pouco menos? Então diminui. Dá para andar mais e gastar menos combustível? Oba. Que tal baixar também o consumo de carne vermelha, buscar alternativas na gastronomia no sentido de agregar mais grãos e castanhas?
Tudo isso junto pode ajudar a estancar os alertas.
Quanto àquele potente círculo de pessoas, talvez aquelas mesmo que têm medo que o medo acabe e que só dão atenção às questões climáticas quando precisam caitituar votos ou marcar presença nos tristes eventos extremos, só nos resta cobrar deles políticas públicas mais consequentes. Pensar nos trilhões de dólares que estão sendo gastos na Guerra da Ucrânia, por exemplo, já ilustra o que estou querendo dizer.
O que resta aos cidadãos comuns é mais do que lamentar e não tem nada a ver com se entregar ao medo paralisante diante de alertas apocalípticos. É possível construir um meio de vida que possa ser espalhado. Vamos, assim, do individual ao micro coletivo, fazendo contato com cada situação que possa e mereça ser revisitada e transformada.
Que os relógios de cientistas e ativistas sirvam para marcar esse recomeço.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso