Quem é inteligente? O homem ou as baleias?
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Na semana passada, o secretário-geral da ONU Antonio Guterres veio a público alertar, mais uma vez, para a falta de iniciativas que realmente possam dar conta de tentar conter o avanço do aquecimento global. Dessa vez, ele usou como exemplo as cenas de ondas de calor intenso que vêm assolando a Europa. A expectativa é que a Itália registre 48 graus nos próximos dias.

Esse calorão não é nenhuma novidade para quem acompanha há décadas os relatórios divulgados pelos cientistas do Painel Intergovernamental SOBRE  Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) ou os resultados das COPs (Conferência das Partes sobre o Clima) ancoradas pelas Nações Unidas. Está tudo escrito, com dados que só vêm se mostrando, dia a dia, mais embasados.

 Muita gente para, lê, se incomoda e segue adiante. Outros resolvem tomar alguma atitude, pequena que seja, para ajudar na tentativa de conter o aquecimento.

Poucos, felizmente muito poucos, estão na negação.

 Sim, somos uma espécie que destrói o próprio habitat e que, ainda por cima, se julga mais inteligente do que qualquer outra espécie do planeta. Daí que acho bastante  curiosa a reação de espanto diante dos ataques das baleias orcas aos lemes de barcos no Estreito de Gilbratar, na Península Ibérica que circulou nesta semana. Só agora descobriram que esses mamíferos são capazes de reagir. (A foto que ilustra este texto é de Custódio Coimbra, que passou três dias junto a pesquisadores do Projeto Jubarte no mar de Arraial do Cabo para observar as baleias.)

Foto de Custódio Coimbra: baleias Jubarte no mar de Arraial do Cabo na primeira semana de julho de 2023

A primeira notícia a esse respeito foi divulgada na revista Science e reproduzida pelo jornal britânico “The Guardian” em maio e julho deste ano e na edição impressa do jornal “O Globo” de ontem (15). A história é a que segue: baleias Orcas se aproximam de barcos e começam a bater fortemente no leme. Só saem de perto depois que o barco para e não tem condições de seguir adiante.

Pessoas que passaram pela experiência, estando no interior de um barco abalroado pelas baleias,  contaram um pouco de suas histórias para as reportagens, que não são “de pescador”, porque muitas foram acompanhadas por imagens. O capitão Werner Schaufelberger estava num iate, na noite de 4 de maio, no Estreito de Gibraltar, na costa da Espanha, quando três orcas começaram a bater contra o leme.

“Havia duas orcas menores e uma maior. As pequenos balançaram o leme na parte de trás enquanto a grande recuou repetidamente e bateu no navio com força total pelo lado” , disse ele à revista alemã Yacht .

Schaufelberger tem uma explicação humana para o episódio. Para ele, a baleia  maior era a mãe, que estava ensinando a técnica de abalroar iates para as filhas. Seja como for, fato é que se o intuito das baleias era tirarem de cena aquele objeto que navegava em suas águas, elas conseguiram. O iate foi recolhido pela guarda costeira e afundou na entrada do porto.

O site especializado em baleias Orca Atlântica dá nome ao fenômeno: são interações. Diferentemente de quando a Orca apenas avista o ser humano e não chega perto (chamado de avistamento), as interações acontecem “quando os animais fixam a atenção no barco, chegando a manter um contato direto, ou seja, quando eles se aproximam, observam e/ou tocam o navio”.

O comportamento é perturbador, e disso não há quem duvide. Mas não é novidade. Segundo o site, a primeira vez que alguém contou ter acontecido algo assim foi em 2020. Primeiro foi com veleiros, depois embarcações de pesca. O relato das pessoas coincide: as Orcas tocaram, empurraram e até rodaram as embarcações, o que em alguns casos resultou em danos nos lemes.

“No total, foram registradas 52 interações entre julho e novembro de 2020 nas águas entre o Estreito de Gibraltar e a Galiza (Península NW), incluindo a costa ao longo de Portugal continental. Registraram-se dois novos casos a partir de janeiro de 2021 na costa atlântica de Marrocos e Estreito de Gibraltar, destacando-se a persistência deste novo comportamento ao longo do tempo, atingindo 197 interações no final do ano. Em 2022,foram registradas207interações”, diz o site Orca Atlântica, que sugere atenção ao fato e coordenação internacional entre administradores, navegadores e cientistas para evitar que algo mais grave aconteça tanto às Orcas quanto aos humanos.

Dei tratos à bola (expressão que minha mãe costumava dizer muito) para imaginar o que pode estar causando o fenômeno. Considerando que as baleias não demonstram intenção de interagir com os humanos, apenas com seus barcos, minha primeira reação foi pensar que o problema, para elas, é o barulho. Tão logo conseguem terminar com aquele desconforto, elas partem tranquilas.

Não somos, como bem demonstra o fato, as únicas criaturas capazes de pensar nesse planeta.

E, cá pra nós, a julgar pelo descaso com que vimos tratando os alertas de que será preciso mudar hábitos e consumo para garantir a permanência da humanidade no planeta, estamos longe do ranking dos mais inteligentes.

Para terminar, um exemplo de que é possível, ainda, reverter parte da situação. No jornal “O Globo” de hoje, há reportagem de Lucas Altino, com fotos belíssimas de Custódio Coimbra (amigo que quem acompanha este blog já conhece), mostrando que as baleias Jubarte estão de volta ao litoral brasileiro. Bastou, para isso, proibir a caça e pesca desses mamíferos que são importantíssimos para a nossa biodiversidade.  

Segundo o site da ONU, as baleias ontribuem com pelo menos 50% de todo o oxigênio da nossa atmosfera, ou seja, fornecem metade do ar que respiramos. E também capturam cerca de 37 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, o equivalente a quatro florestas da Amazônia.

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Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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