Por que não flexibilizar a legislação ambiental?
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A Câmara dos Deputados aprovou ontem (12) o texto substitutivo do projeto de lei 3.729/2004, que flexibiliza o processo de licenciamento ambiental. A proposta está sendo chamada de “tratorada” pelos ambientalistas, uma alusão à boiada que o ministro Salles, do meio ambiente, prometeu deixar passar. Deixando de lado o cunho político, o que interessa refletir neste espaço é: como assim?? Flexibilizar o processo de licenciamento ambiental é, no fim e ao cabo, permitir mais obras e desmatamentos, é não respeitar a necessidade de baixar emissões de gases do efeito estufa. É não fazer nada daquilo que o país prometeu fazer na ultima reunião de cúpula, convocada pelo presidente Biden, dos Estados Unidos. Para se dizer o mínimo.

O projeto de lei libera ainda uma inusitada forma de auto licenciamento. Funciona mais ou menos assim: a empresa entra no computador, vai ao site e diz ao governo brasileiro que sua obra não vai causar impacto algum ao meio ambiente. Não vai sujar rio, não vai matar as árvores, não vai poluir o ar, não vai deslocar famílias. Vai, só, ajudar a desenvolver o país. E estará, assim, permitida. É como se dissessem: “empresário, venha, faça o que quiser, porque o Brasil precisa de você”.

É claro que isso já provocou inúmeros protestos por parte de pessoas que, efetivamente, ainda conseguem pensar além do massacrante e falso dilema imposto pela própria humanidade: desenvolver ou preservar? Falso porque, como já se consegue observar, o progresso (entre aspas) obtido depois de tanta devastação ambiental não chega para todos.  Segundo o último relatório da Oxfam sobre desigualdade no mundo, só no período da pandemia a riqueza dos bilionários cresceu o bastante que daria para já terem comprado e distribuído vacina para todos.

Mas, vamos imaginar que você, caro leitor, estava em viagem espiritual pelo Butão, e chegou agora por aqui. Com razão, pode se perguntar os motivos de tantas manifestações contrárias ao Projeto de Lei, sobretudo se considerar que ele pode desburocratizar o sistema. Não fomos sempre contra a burocratização excessiva. Eu explico por que, neste caso, a lei está a favor de todos nós.

Vou listar aqui apenas três pontos que corroboram o que estou dizendo e deixam claro, como água cristalina, que há um imenso fosso separando esta deliberação governamental do esforço, ainda que por enquanto bastante retórico, de líderes mundiais em prol da necessária mudança de paradigma. Ou alguém aí acha que está dando tudo certo até agora?

Seguem os pontos:

1 – Estamos no meio da maior crise sanitária do século. Estudos foram feitos e já constataram que o desmatamento pode contribuir para novas pandemias, por um motivo bem simples: quando se mata árvores o solo é mexido, remexido. Segundo a ONU, as florestas são o lar de mais de 80% de todas as espécies terrestres de animais, plantas e insetos. Assim como, de 1,6 bilhão de pessoas que dependem das florestas para viver. Quando o trator derruba árvores, lá se vão arbustos “e os animais selvagens que levaram milhares de anos para criar esse ecossistema”, como diz Soledad Barruti no artigo “Nuggets e morcegos, como cozinhamos as pandemias”. Flexibilizar a legislação ambiental significa abrir caminho para mais e mais desmatamento.

2 – Ao flexibilizar a legislação ambiental, o Brasil não está dando nem um passo para mudar paradigma em prol de um novo modelo civilizatório, como é preconizado por dez entre dez estudiosos dos efeitos da pandemia e do modus vivendi pós-pandêmico.  É preciso sair do padrão econômico para o padrão ecológico, como demonstram os analistas da nossa era. “O contrato social no qual se baseia a governabilidade de nossa sociedade deve ser complementado por um contrato natural”, disse o filósofo e acadêmico francês  Michel Serres.

3 – Há, no Brasil, segundo o censo do IBGE de 2010, 818 mil indígenas, de 305 etnias diferentes. É bom lembrar que essas pessoas já estavam aqui no país quando chegaram os portugueses, o que lhes dá o direito de ter terras delimitadas. Hoje há 632 desses locais, muitos deles em solos ricos, o que atrai grileiros. Ontem mesmo vimos o que aconteceu com os Yanomami, um dos maiores povos indígenas da América do Sul, vítimas do ataque de grileiros. Ficamos sabendo. Mas, imaginem quantos outros eventos como este podem acontecer, agora que a lei está mais flexível e permite, até incentiva, empreendimentos até em terras indígenas?

Há outros tantos pontos, mas penso que estes já servem como subsídio para reflexão.


(*)foto da chamada Dave Herring em Unsplash

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