Caminho pelas ruas vazias, o movimento começa a voltar ao “normal”.
Crianças com mochilas às costas, às vezes tão pesadas que as envergam a coluna.
Pais, mães, apressados, de olho no celular, à espera do carro que os levará ao trabalho.
Ou à escola e depois ao trabalho.
O movimento de sempre, nos dias que nos separam de outro período de férias.
Olho para o céu que está azul.
Ouço os pássaros, me conecto com as árvores, respiro o ar urbano.
E, de repente, sinto que o céu se aproximou um pouco mais do que de costume.
Será a queda do céu, fenômeno que o xamã yanomami David Kopenawa conta em seu livro?
A escola de samba que levou essa história para a avenida dos craques em ópera, ficou em quarto lugar. Foi bonita, a festa.
Kopenawa esteve na Avenida, fez questão de andar por toda a escola, para ver tudo de perto.
Mas não chamou a atenção dos repórteres, apesar do inusitado da situação.
Outro que lá esteve foi Aylton Krenak, o homem que diz o que fazer para evitar o fim do mundo, o único xamã eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras.
Poucos notaram os dois.
Krenak se mostrou extasiado, nunca tinha feito contato com um espetáculo tão bonito.
E é bonito mesmo. As pessoas que trabalham duro para fazer a festa estão de parabéns. Cada centímetro de tecido colorido, cada gota de glitter. Nada se desperdiça. Tudo serve para um resultado único.
Oras, mas carnaval é tempo de festa, de luzes, de corpos nus trabalhados em academias, de “mensagens” bonitas e esperançosas.
Ninguém quer saber, mas o céu está caindo mesmo.
Eu percebi.
Diz Kopenawa, na escrita emprestada pelo estrangeiro Bruce Albert:
“Os brancos nos chamam de ignorantes apenas porque somos gente diferente deles. Na verdade, é o pensamento deles que se mostra curto e obscuro. Não consegue se expandir e se elevar, porque eles querem ignorar a morte. Ficam tomados de vertigem, pois não param de devorar a carne de seus animais domésticos… Ficam sempre bebendo cachaça e cerveja, que lhes esquentam e esfumaçam o peito. Por isso que suas palavras ficam tão ruins e emaranhadas. Não queremos mais ouvi-las. Para nós, a política é outra coisa. São as palavras de Omama e dos xapiri que ele nos deixou. São as palavras que escutamos no tempo dos sonhos e que preferimos, pois são nossas mesmo. Os brancos não sonham tão longe quanto nós. Dormem muito, mas só sonham com eles mesmos. Seu pensamento permanece obstruído e eles dormem como antas ou jabutis. Por isso não conseguem entender nossas palavras”.
Não quero dizer muito mais.
Só torço, e torço muito, para que as pessoas passem a ter um tempo, cinco minutos que sejam, para olhar o céu. Para ouvir os pássaros, reparar numa nova planta.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.