Oficina do Olhar
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Quando vivencio a Oficina do Olhar com as crianças e com a equipe  da Casa Monte Alegre estou experimentando a TAZ, como um  lugar onde a informação circula para a construção da autonomia e na intenção de viver governado pela liberdade.

Por Cecilia Figueredo

O escritor anarquista norte-americano Hakim Bay, escreve em seu livro Zonas Autônomas Temporárias (TAZ) sobre o que chamou de Utopias Piratas. Bay fala sobre enclaves livres criados por corsários no sec XVIII, sustentados por redes de informações espalhadas pelo globo e formadas por ilhas e esconderijos onde os navios eram abastecidos e armazenavam o resultado das pilhagens. Estas comunidades intencionais faziam circular informações, conhecimentos, saberes e riquezas na lógica e na ordem da contra-hegemonia.

Em um momento Bay pergunta: “Estamos nós, que vivemos no presente, condenados a nunca experimentar a autonomia, nunca pisarmos, nem que seja por um momento sequer, num pedaço de terra governado apenas pela liberdade?” e afirma, em seguida, possuir evidências suficientes que sugerem que um certo tipo de “enclave livre” não é apenas possível nos dias de hoje, mas é também real. Este enclave livre se materializa no 
ambiente e aprendizado pesado e realizado no cotidiano desta escola. 

Quando vivencio a Oficina do Olhar com as crianças e com a equipe  da Casa Monte Alegre estou experimentando esta TAZ, como um  lugar onde a informação circula para a construção da autonomia e na intenção de viver governado pela liberdade. Isso porque o olhar pode ser uma forma de prisão se está orientado, como nos apresenta Foucault, pela lógica da representação como repetição, o teatro da vida ou o espelho do mundo. 

Mas é um outro olhar que buscamos viver quando escutamos as crianças do grupo da raposa em seus interesses pelos caminhos que ligam suas casas à escola e buscamos dar forma e sentido a casa expressão. 

Escutar e sentir junto como cada criança vive este caminho, o que encontra,  o que é extraordinário e o que é cotidiano foi a base para um processo cartográfico vivido na oficina e no cotidiano do grupo. Mas não falamos de  uma cartografia que se limita a produzir mapas espaciais, tratamos aqui de  representar desejos, sonhos e sentimentos no espaço e viver o próprio  espaço como lugar de expressão destes sentimentos. 

Dois exemplos para ajudar nesta construção: 

1 –

Carolina trouxe fotos do caminho que faz entre a casa e a escola. As imagens produzidas de dentro do ônibus, acompanhadas das conversas que ela tem com sua mãe foram compartilhada com o grupo, que interagiu, perguntou e co-criou outras realidades. Depois sentamos para registrar e produzir uma nova interpretação e uma nova realidade para as narrativas compartilhadas por Carolina. 


2 –

Uma caminhada pelo bairro nos leva a descobrir sonhos desenhados nas paredes. O destino é o mapa criado por Carol Pacini, educadora de artes, e que está exposto na parede do Simplesmente.


O mapa formal é o reencontro com nosso trajeto e o revisitar dos caminhos. Afeto, autonomia e criatividade, um caminho pedagógico percorridos. Encontramos a escola representada no mapa, nos encontramos no espaço e este espaço nos presenteou com pães de queijo quentinhos saboreados no Cultivar. Tudo no improviso e na delícia de se deixar levar. O lanche foi acompanhado por uma cartolina estendida na mesa e uma coleção e lápis e canetas que se tornaram instrumentos de mais um registro de espaço narrativo. 

Esta outra forma de olhar é também o que guia o trabalho com o grupo do leão nas descobertas dos objetos que produzem imagens. Começamos o ano com experimentações com movimento a partir do filme O Circo, que o grupo assistiu. Produzimos juntos cenas fotografas, com personagens sonhados por eles e que viraram pequenos filmes de animação em preto e branco como os filmes de época. Agora estamos mergulhando em experiências com objetos que produzem imagens. Máscaras futuristas e lunetas coloridas foram criadas junto com as crianças permeadas por histórias e brincadeiras que produziam descobertas sobre a opacidade e a transparência dos materiais, o poder transformador das cores e as possibilidades de limitação e ampliação do campo de visão. 


Os antigos negativos de filmes foram experimentados como janelas para descobrir cenas que se revelam na contraluz e continhas infinitas histórias. Estes negativos foram cortados, amarrados em barbantes, viraram objetos de imagens e colares de memórias. Na semana seguinte voltamos com as tesouras, agora cortando fotografias e reconstruindo imagens com partes de imagens que se desconstruíram. As crianças embarcam nas aventuras dentro de seu tempo e movimento próprios. Alguns gostam mais de cortar e exploram este movimento de descontruir até o limite do tamanho do pedaço de papel, outras se envolvem com a reconstrução de novas imagens a partir dos fragmentos e das cores disponíveis. Imagens que viram histórias outra vez. 

Observar, respeitar tempo e movimento é parte fundamental do processo de libertação e as imagens tem este potencial de acolher e fazer fecundar as narrativas.


Cecilia Figueredo é fotografa, arte educadora e professora da Monte Alegre. 


Fonte: Relatório de projetos da Monte Alegre 

2019

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