Quem tem filhos sabe o quanto é desafiador conciliar os cuidados com as crianças com as exigências do mercado de trabalho. Compartilhamos aqui uma reflexão sobre os direto das crianças na primeira infância e as dificuldades enfrentadas para garanti-los . A matéria foi publicada e cedida por um projeto parceiro, e super recomendado, o blog Papo de Pracinha.
Por Angela Borba e Maria Inês Delorme
O provérbio africano, que diz ser preciso uma aldeia inteira para educar uma criança reverbera cada vez mais forte nos dias atuais, nos lembrando que o cuidado de uma criança envolve uma rede, em que se destacam, em primeiro lugar a família, a escola e os cuidadores (quando isso é possível). Mas essa rede precisa ser mais ampla, fortalecida por políticas de atenção à infância, em diferentes campos: educação, saúde, trabalho, segurança, planejamento urbano…
Em matéria patrocinada e publicada no jornal O Globo e intitulada “Oferecer mais tempo para estar com a família é tendência entre empresas”, a Fundação Maria Cecília de Souto Vidigal apresenta os resultados de uma pesquisa-prêmio “Melhores empresas para trabalhar no Brasil”, realizada em 2019, em parceria com a United Way Brasil e com o instituto GreatPlacetoWork (GPTW), que avalia no mundo todo a qualidade do ambiente de trabalho. A pesquisa mediu, pela primeira vez, quão amigáveis são as empresas com a primeira infância.
Destacaram-se seis organizações que adotam práticas visando o bem-estar das crianças e de suas famílias, criando condições para que os funcionários possam ter mais tempo para se dedicar aos seus filhos. Para além dos direitos já previstos em lei, como licença- maternidade e paternidade e auxílio-creche, grandes empresas têm adotado práticas como: licença-maternidade e paternidade estendidas, flexibilização de horário e suporte de especialistas para pais e mães de primeira viagem.A pesquisa utilizou os seguintes critérios de seleção: licença-maternidade estendida: mínimo de 180 dias; licença paternidade estendida: mínimo de 20 dias; lactário no ambiente de trabalho; auxílio-creche além do que manda a lei, mínimo acordado pelos sindicatos; auxílio-creche também para funcionários homens.
A primeira infância, que vai do nascimento aos seis anos, é comprovadamente um período crucial na vida das crianças. Inúmeras pesquisas abordando diferentes aspectos dessa etapa apontam para a importância dos cuidados, do amor, das experiências e das interações para que a criança possa se desenvolver integralmente, com vistas a se tornar um adulto saudável e equilibrado, contribuindo também para uma sociedade igualmente saudável e feliz.
O Marco Legal da Primeira Infância, Lei 13257 (2016), estabelece alguns direitos fundamentais que precisam ser garantidos nesse período: o direito de brincar, de ter mãe e pai que possam usufruir de uma licença maternidade e paternidade justa que lhes permita cuidar do bebê em casa nos primeiros meses, o direito de ser cuidado por profissionais qualificados para o trabalho com a primeira infância, de receber cuidados médicos consistentes, entre outros aspectos.
A lei prevê a ampliação dos direitos dos funcionários, ao oferecer, por exemplo, benefícios para o empregador, por meio da adesão ao Programa Empresa Cidadã, que estabelece incentivos fiscais para as organizações que estenderem o período em que os pais se dedicam às crianças.
Algumas pesquisas vêm apontando que programas voltados para a primeira infância no âmbito das empresas têm impacto direto na produtividade dos funcionários. Assim, olhar para a primeira infância e apoiar os pais nesse período traz benefícios para as empresas, na medida em que aumentam a concentração no trabalho, reduzem as faltas e trazem mais satisfação para os funcionários.
Sabemos entretanto que essas práticas demandam uma mudança de cultura do mundo corporativo. É preciso haver condições reais para que seus funcionários possam se afastar pelo período necessário. O receio da perda do emprego após uma ausência prolongada, ou mesmo as dificuldades impostas pela própria organização do trabalho e modo de funcionamento da empresa para o afastamento do funcionário, leva muitas mães e pais a não usufruir dos benefícios previstos nas políticas das empresas.
Para além das dificuldades inerentes ao mundo do trabalho no que diz respeito à liberação de um tempo mais justo para que os pais possam cuidar de seus pequenos, há muitas barreiras que temos que derrubar para que as crianças alcancem os seus direitos. Violência, falta de vagas em creches, fome, abandono, sem falar nas altas taxas de mortalidade infantil, que voltaram a crescer pela primeira vez em mais de 15 anos. Enfrentar esses problemas requer um olhar mais amplo e cuidadoso para a primeira infância, com políticas públicas consistentes e efetivas para essa etapa.
De todo modo, aplaudimos os avanços divulgados pela pesquisa, ainda que tímidos e pontuais. As boas práticas, quando devidamente valorizadas e divulgadas, podem ser indutoras de transformações mais amplas.