O tempo de telas
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Esses dados são do relatório Digital 2020, feito a quatro mãos entre as organizações We Are Social e a Hootsuite e que pode ser lido aqui (https://datareportal.com/reports/digital-2020-global-digital-overview) . São números que impressionam, ainda mais quando o recorte no relatório dá conta dos dados em nosso país: ocupamos a terceira posição num ranking de 42 países se for considerado o tempo que passamos online. No ano passado, esse tempo foi de 9h17m, enquanto a média global é de 6h43m.

Quando a pandemia ainda não havia se instalado, 89% da população de jovens entre 9 e 17 anos já eram usuários da internet.  É este o recorte que mais nos interessa aqui, já que estamos num espaço que se dedica a falar sobre educação. Quanto tempo seu filho tem ficado com o rosto grudado numa tela?

Uma reportagem no jornal “Estado de São Paulo” que veiculou no último dia do mês passado reflete sobre o tema, focando justamente nas histórias de famílias que têm filhos jovens em idade escolar e que estão, hoje, ocupadas com a questão do tempo que seus filhos e parentes estão dedicando à internet. A pandemia apenas acirrou um processo que já vinha acontecendo.

A jornalista Charlise Morais, que assinou a reportagem, entrevistou a especialista do Grupo de Trabalho sobre Saúde na Era Digital, da Sociedade Brasileira de Pediatria, Evelyn Eisenstein. Na entrevista, Eisenstein chamou a atenção para o fato de que o cérebro das crianças, como ainda está em desenvolvimento, é fortemente afetado pelo efeito das telas.         

“É importante lembrar que eles são seres de cérebro em desenvolvimento e precisam de tempos: para dormir, se alimentar, fazer exercícios, brincar. As crianças precisam ter momentos de distração ativa, ou seja, na autonomia do movimento dela e não passiva olhando uma tela”, recomenda a especialista.

É esse “tempo”, necessário para qualquer um de nós, que serve como um hiato entre perguntas e respostas, entre ações e reações, que a internet vem nos privando. Um tempo que se precisa para respirar, para fazer contato, para refletir. Este ato, nada simples, de reflexão, necessita mais do que dos algoritmos para se manter em dia. É importante que se observe a importância de estarmos atentos a isso, sobretudo quando se está falando sobre a formação das crianças.  

Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), também ouvido na reportagem, explicou que “Quando estamos lendo um livro, por exemplo, o tempo que a memória precisa para ser recrutada é pessoal, varia para cada indivíduo”:

“Para consolidar essa informação [que estamos lendo], tomamos o nosso tempo (batemos o lápis na boca, mordemos o dedo…). Quando temos, primordialmente, uma interação digital, esse tempo cerebral não é respeitado. Isso faz com que exista sobrecarga na tensão, e na medida que há sobrecarga, perdemos a capacidade de reter a informação. Se não houver equilíbrio entre o online e o offline, cria-se o que nós chamamos de transbordamento de informação”, explica.

Se transborda é porque foi a mais. E cabe aos pais serem os fiscais de todo o processo. Para muitos adultos, é uma tarefa a mais nesse já tão tumultuado e tenso momento da nova era. Home office, orçamento apertado, empregos pouco disponíveis e… filhos que caminham para um complicado processo em que estão se tornando reféns de um dispositivo que pode trazer ideias também sequestradoras.

O tempo exagerado nas telas e na absurda velocidade da internet pode fazer com que jovens e crianças percam a “habilidade de reter informações”, adverte Cristiano Nabuco.

“Isso faz com que elas percam a capacidade de associacionismo. Ficam mais ‘rasas’ , a primeira capacidade sacrificada é a criatividade…. Se a informação não for rápida, fracionada e telegrafada, não desperta interesse e, com isso, cria-se um nivelamento bem negativo.”

Qual a solução? Não há uma única, há várias. Há que se levar em conta a singularidade de cada caso. Quando possível, é importante oferecer outras possíveis possibilidades de entretenimento, ao ar livre, para livrar jovens e crianças do jugo das telas. Mas um detalhe foi lembrado pelos especialistas que ajudaram a formar o pensamento da reportagem, e este não pode ser esquecido: o exemplo.

Isso quer dizer o seguinte: pais que, eles próprios, não conseguem se livrar de telas – quer seja por conta do trabalho ou não – precisam perceber que, agindo assim, podem mandar uma mensagem equívoca para os filhos.  

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