As ruas do Rio estão voltando a ser frequentadas por quem ficou em casa em respeito à quarentena. Em contrapartida, virou moradia de muitos desabrigados, que podem ser vistos invisíveis para a sociedade e governo.
Hoje fui caminhar na praia. Mas não foi uma simples caminhada. E fui longe. Peguei um táxi (meu bairro tem poucas linhas de ônibus e eu não podia demorar), investi 70,00 de ida e volta. Fui ali para o lado direito do canal do Leblon. Queria ver o mar, respirar outros ares, mas também me interessou ter uma ideia de como os mais ricos estão lidando com a situação de miséria que se vê no resto da cidade.
A primeira coisa que percebi é que, na quadra da praia, ali perto do Dois Irmãos, já não se usa mais a máscara. Só se vê pessoas com máscara nos quiosques, os funcionários são obrigados. Mas, em geral, se os clientes chegam protegidos, logo tiram a proteção. Eu entendo: aquele mar lindo, que hoje estava mais limpo e magnífico do que nunca, um sol ameno, areia… nada disso combina com proteção contra vírus. É como se, ali, o corona Vírus fosse proibido de entrar.
Na areia, cachorros estão permitidos. Ou, pelo menos, não são reprimidos. Gosto desses bichos, não me incomoda a companhia deles. Mas respeito quem entende que é contra a saúde sanitária do local, caso eles façam cocô na areia.
Vi alguns turistas, poucos. Vi pessoas mais velhas, a maioria. Um casal que se sentou perto de mim no quiosque onde parei para tomar água de côco, certamente na faixa dos 60 e muitos anos, pediu um cachorro-quente da marca famosa dos anos 70. “Mas o pão é o mesmo, né?”, perguntou o senhor. Doces recordações.
Continuei minha caminhada e pulei para a Ataulfo de Paiva, principal rua do bairro, com lojas finas, elegantes… e caras. Fiz-me de turista e perguntei o preço de um jogo americano. Na verdade, eu queria comprar apenas UM, do jogo. Cobraram-me 49,00, desisti. Passei pela lanchonete onde não aceitam mais cartão de crédito e fiquei curiosa para saber o preço do sanduíche de fillet mignon: R$ 30,00. Se quiser acrescentar queijo e ovo, sobe o preço, talvez chegue aos R$ 40,00.
Naquele pedaço mais rico não há supermercado. Se houvesse, possivelmente estaria à venda uma carcaça de frango, ou pés de galinha, ou mesmo ossos de boi. Triste saber que há pessoas que precisam disso, num país que já tinha se livrado do estigma da fome. Em 2014 o Brasil fora retirado do Mapa, mas já voltou. E as empresas que vendem carcaças, pés e ossos poderiam olhar um pouco mais para a sua função social.
Três ou quatro quarteirões foram suficientes para eu ver o primeiro morador de rua a pedir dinheiro, deitado na calçada. A partir daí, muitos mais. Cheguei a olhar para trás, a conferir o maravilhoso mundo que eu estava deixando. Lembrei-me do filme “O show de Truman”, estrelado por Jim Carrey em 1998, e quase procurei o fim do cenário.
Hoje entendi o pensamento do prefeito Paes, quando ele diz que quer encher a cidade de turistas, “todo mundo aglomerado”, no carnaval e no Réveillon. Eu andava impaciente, achando que alguém precisava dizer a ele que não se dá festa, não se convida visitas, sem antes arrumar a casa, o que, no caso dele, significa olhar para hospitais (o Miguel Couto tem uma fila enorme de pessoas que esperam cirurgia); para o transporte (há bairros sem ônibus, prefeito!); para a miséria (faça um tour pela Rio Branco às 8h e veja a fila de colchões que se forma), para as escolas… Mas acho que Paes está andando só ali, pelas ruas do lado direito do canal do Leblon, achando que o resto da cidade vive aquele paraíso.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.