O mundo contra a fome? Ou o mundo a favor das armas?
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“O caráter fundamentalmente tautológico (repetição desnecessária) do espetáculo decorre do simples fato de os seus meios serem ao mesmo tempo a sua finalidade. Ele é o sol que não tem poente no império da passividade moderna. Recobre toda a superfície do mundo e se banha indefinidamente na sua própria glória”

Guy Debord em “Sociedade do espetáculo”

Pelo quinto ano consecutivo aumenta o número de pessoas que enfrentam altos índices de insegurança alimentar no mundo. Num informe publicado ontem, a agência da ONU para a Agricultura e a Alimentação (FAO) deu conta de que existem 281,6 milhões de pessoas com desnutrição aguda  no mundo. Dessas, 36 milhões está à beira da morte por conta disso. E há 800 milhões em situação de insegurança alimentar.

Aqui no Brasil, felizmente por conta de políticas sociais do atual governo de Lula da Silva, a realidade está melhorando. Ainda assim, existem 8,7 milhões de pessoas que enfrentam a insegurança alimentar. As informações são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No cenário global, os países que têm o maior número absoluto de famintos, são majoritariamente do continente africano: Repúblia Democrática do Congo, Nigéria, Sudão, Etiópia e um do continente asiático, o Afeganistão, um dos países mais pobres do  mundo, que foi atacado pelos Estados Unidos durante vinte anos, cuja economia é focada na produção e exportação do ópio.

Gaza tem 100% de famintos hoje, quando tem sido cruelmente atacada por Israel.

Na América Latina, a fome extrema atinge as populações do Haiti, da Bolívia, da Colômbia, da República Dominicana, de El Salvador, da Guatemala, de Honduras e da Nicarágua. As informações são da coluna do jornalista Jamil Chade no UOL. É onde os leitores ficam sabendo que a situaçao de insegurança alimentar que persiste no mundo abala os planos da ONU, de erradicar a desnutrição até 2030.

A pergunta que fica é: além das promessas e compromissos firmados diante dos holofotes espetaculares que iluminam as reuniões globais em torno de um desenvolvimento mais igualitário, justo e que leve em conta os impactos dos eventos extremos aos humanos mais pobres, o que mais tem sido feito para assegurar os planos das Nações Unidas?

É preciso um esforço coletivo, com compartilhamento de recursos? Bem, é preciso saber que, ainda segundo Chade, “nesta semana, um levantamento revelou que, em 2023, governos destinaram US$ 2,4 trilhões para suas forças armadas”. No mesmo período, o Banco Mundial alocou US$ 45 bilhões para combater a fome. E na ONU, toda a ajuda humanitária para as piores crises do planeta foi calculada em US$ 54 bilhões.

Do que é que estamos falando, verdadeiramente?

A imagem que ilustra este texto é uma reprodução de um fragmento do rascunho zero da declaração assinada pelos países que compareceram à Conferência Rio+20, convocada pelas Nações Unidas, que aconteceu no Rio de Janeiro de 20 a 22 de junho de 2012. Recebeu este título em alusão à Rio-92, que acontecera na mesma cidade, vinte anos antes. A jornalista e ativista ambiental canadense Naomi Klein diz que todos esses encontros não passam de reunir uma retórica inútil.

Não estou certa de concordar inteiramente com ela. Prefiro ir além na leitura de Guy Debord e trazer aqui, para fechar este pensamento, mais um trecho de sua obra, lançada em 1967, um ano antes dos famosos movimentos estudantis na França:

“À medida que a necessidade se encontra socialmente sonhada, o sonho torna-se necessário. O espetáculo é o mau sonho da sociedade moderna acorrentada, que ao cabo não exprime senão o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guardião desse sono”.

Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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