Um corredor pintado de preto e iluminado apenas com a luz nervosa de desenhos futuristas controlados por computador. Formatos diferenciados, exigindo do espectador uma atenção redobrada, já que em segundos se desfaziam e se transformavam em outra coisa. A música de fundo, um misto de som clássico e futurista, acompanhava o sentido de urgência que se traduz numa quase frenética busca, numa total falta de hiato. Mas instiga, sugere novas possibilidades, cria um grande ponto de interrogação que vai nos acompanhando pelo caminho. Foi assim minha acolhida na Rio Innovation Week, auto intitulado maior evento global de tecnologia e inovação, que aconteceu no Pier Mauá entre os dias 13 e 16 de agosto.
O encontro foi, efetivamente, mega. Ocupou uma área de 70 mil metros quadrados no Píer Mauá, ofereceu 32 conferências, teve mais de 2.500 palestrantes, rendeu R$ 2,3 bilhões em geração de novos negócios, recebeu 155 mil visitantes. E foi pensado, segundo o card de apresentação, para “gerar reflexão e impacto real para transformar realidades: vai além do estímulo à inovação e ao empreendedorismo”. Se é isso, estou junto.
Pois muito bem. E o que eu, que prezo e respeito o conhecimento tradicional e o contato com a realidade que se transforma por si só (natureza), estava fazendo ali, cercada pelo povo da inteligência artificial? Curiosidade jornalística é meu combustível. E como tenho amigos que fazem coisas interessantes e me convidam, fui a convite de Marcio Marcio Santa Rosa, que há tempos vem me atiçando a curiosidade com a expressão Economia Azul. Ele é coordenador do Programa Guanabara Azul e Bacias da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro, entende muito do assunto, e eu estive na conferência promovida por ele num dos muitos espaços da feira.
No caminho, lembrei-me de quantos movimentos ao desconhecido tenho feito na lida como repórter. Em 2008, por exemplo, fui à China participar de um seminário sobre “Cidades Sustentáveis” porque era uma expressão nova por aqui. Quem diria, né? Praticamente uma década e meia depois, hoje é uma expressão tão usada e ousada. Ali mesmo, na RIW (esta é a sigla que facilita a comunicação), vi muitas vezes a palavra sustentabilidade escrita nos cartazes que apresentavam os espaços, as conferências. Que bom.
Assim, vamos ao que interessa: o que é Economia Azul? Conceitualmente, é um sistema que se preocupa em promover o desenvolvimento econômico com foco na preservação dos ecossistemas marinhos e na sustentabilidade ambiental. Pelo que comecei a aprender a partir das três palestras às quais assisti na RIW, a Economia Azul tem, na essência, o olhar cuidadoso para quem vive do ecossistema marinho, ou para o S do acrônimo ESG (Environmental, Social and Governance). Para isso, aqui no Rio de Janeiro, conta com o Programa Guanabara Azul, que virou política pública no ano passado.
Para que a gestão de Economia Azul seja eficaz, uma questão é absurdamente premente: a limpeza dos rios, baías, oceanos, mares etc. E sim, a poluição da Baía de Guanabara, mais conhecida dos cariocas do que o mate e o biscoito da praia, é, no mínimo, um obstáculo e tanto para a Economia Azul no Rio de Janeiro.
Para não desanimar nem avivar o tal espírito de vira-lata, vale pensar que o problema não é só nosso. Vejam o que aconteceu durante as Olimpíadas em Paris, quando alguns atletas que nadaram no Sena adoeceram por conta da sujeira. E dias antes, a prefeita Hidalgo tinha feito aquela cena para as redes, nadando no Sena para mostrar que estava limpinho. Tá vendo? Não é só aqui do lado debaixo do Equador que acontece.
O fenômeno que acabou causando o problema em Paris foi explicado por Luiz Firmino Martins Pereira, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, geógrafo e especialista em saneamento, um dos palestrantes da conferência que se chamou “Guanabara Azul”. A explicação é técnica, mas dá para entender:
“Só um sistema de separador absoluto não consegue dar conta da poluição. O Sistema de Tempo Seco colapsou, extravasou e vazou para o Rio Sena”, explicou ele.
Resumindo: quando a prefeita Hidalgo nadou, realmente estava tudo limpo, mas logo depois choveu forte, o que fez o tal Sistema de Tempo Seco colapsar. Quem quiser conhecer os detalhes, pode acessar o estudo feito por Luiz Firmino e colegas da FGV, chamado Cinturão Metropolitano da Guanabara.
Ana Asti, subsecretária de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do RJ, foi a primeira a palestrar e deixou patente um sentimento comum a todos ali: a paixão pela Baía de Guanabara. Asti traduziu assim o intento do Guanabara Azul, coordenado por Marcio Santa Rosa: até 2030, 90% da região estarão saneados.
“Se eu conseguir que os municípios tenham relação com a Baía de Guanabara, vou conseguir também desenvolver novos empregos , o que vai gerar renda. Há dez projetos de fomento à bioeconomia que podem viabilizar novos negócios. A Baía é a principal porta de entrada do país e hoje ainda tem muitas casas que estão de costas para ela. Queremos mudar isso”, disse Asti.
As mudanças climáticas serão levadas em conta, ressalta Ana Asti, que elenca o saneamento em favelas como o maior desafio da área. Para isso, por exemplo, vai ser inaugurada uma Estação de Tratamento de Esgotos em Queimados daqui a dois anos.
De qualquer forma, o plano de recuperação ambiental da Baía de Guanabara precisa sair do papel, já não é sem tempo. Parcerias têm sido feitas pela turma que está no comando da Secretaria, cuidando do meio ambiente. Estudos têm sido aplicados. Luiz Firmino falou sobre o modelo de Jardins Filtrantes, que está sendo empregado em Nova York e eu me lembrei, imediatamente, de outro local em que este modelo está sendo usado: Niterói. Meu pensamento voou longe dali.
Pouco mais de uma semana antes, a convite de outra amiga, Samyra Crespo, ambientalista, escritora, que elaborou a primeira pesquisa de opinião pública sobre meio ambiente no Brasil, estive visitando o Parque Orla Piratininga Alfredo Sirkis, em Niterói, que pôs em prática o Sistema de Jardim Filtrante, e urbanizou a área onde fica o bairro Fazendinha. E foi lá que eu ouvi falar em Jardins Filtrantes.
Em Niterói, como no Rio, o objetivo é o mesmo: limpar as águas. Com águas limpas e saudáveis, é fácil pensar em atividades relacionadas com os meios aquáticos. A economia azul pretende impulsioná-las, mas com equilíbrio para não impactar o ecossistema. É um elo cauteloso, mas preciso.
Ode às Macrófitas
Foi também numa manhã ensolarada que cheguei a Piratininga. Antes, pegamos um catamarã, e fomos ouvindo a explanação de Dionê Maria Marinho Castro, que há mais de uma década está à frente do Programa de Despoluição da Enseada de Jurujuba e criação de Modelo de Gestão Municipal Integrada na Prefeitura de Niterói. É também uma servidora pública animada com o que faz, como a Asti, o Marcio… dá gosto de ver.
Dionê começou contando sobre como Niterói se modificou com a inauguração da Ponte. Era uma cidade, virou outra, e isso é facil de imaginar. Deveria ser fácil, para as autoridades da época, imaginar também. E tomarem providências para evitar, por exemplo, colapsos no sistema de esgoto. Mas é assim: na hora de prever o lucro, dificilmente os donos do poder e do capital querem pensar em problemas…
Uma das mais prejudicadas foi a Lagoa de Piratininga. Passaram-se muitos anos até que veio uma Solução Baseada na Natureza, expressão criada pela Comissão Europeia que significa, resumidamente: ações que visam a proteger, gerir de maneira sustentável ou restaurar ecossistemas naturais a fim de enfrentar desafios da natureza. No caso, a solução encontrada foi, justamente, criar dois quilômetros de Jardins Filtrantes.
Não vou tentar dar detalhes técnicos, porque tenho medo de errar alguma coisa. Naquela manhã de quinta-feira, quando Dionê levou toda a equipe do Projeto de Implantação de Infraestrutura Sustentável para Recuperação Socioambiental de um Sistema Lagunar Urbano, tivemos uma aula sobre Jardins Filtrantes. E eu pude exercer a profissão que me constitui: sou repórter. Anotei um bocado sobre leito de secagem, retenção de sedimentos, caixas de passagem de 50 em 50 metros, tudo para a criação de novos equilíbrios ambientais. Mas, para não cansar os leitores, vou preferir resumir assim: o projeto deu certo. É visível a recuperação socioambiental do sistema lagunar, o cuidado que a equipe teve, sem precisar gastar mais do que R$ 100 milhões. Ou seja: é possível, precisa apenas ter vontade política e uma boa equipe.
Conto aqui duas histórias rápidas.
A primeira história é sobre a Macrófita aquática. Revelo minha paixão pelo mundo das plantas, e deixo a recomendação de um livro maravilhoso – “Sumário de Plantas Oficiosas”, de Efrén Giraldo – que li logo após ter tomado conhecimento de outro, Stefano Mancuso, pioneiro da neurobiologia das plantas, de quem já li três volumes. Durante a visita ao Parque Orla, não por acaso me aproximei da bióloga Heloisa Osanai, que faz parte da equipe e cuida desses seres.
Mancuso e Giraldo nos fazem pensar nas plantas como seres ativos, que se mudam, que viajam, e que escolheram a imobilidade em contraponto aos animais errantes. As macrófitas, assim, merecem todo o meu respeito porque, entre tantas outras qualidades, conforme me explicou Heloisa Osanai, elas podem servir como uma espécie de biofiltro, reduzindo a carga orgânica no ambiente. Contribuem, então, para formar os Jardins Filtrantes. Querem atitude mais nobre e mais oportuna para nós, humanos que vivemos depositando por aí nossos detritos? Elas limpam.
A outra história é a do bairro que se criou ali, ao lado dos jardins. Tinha tudo para ser uma questão social séria, já que, como a maioria das megalópoles, também em Niterói há uma enorme desigualdade. E as 1277 familias que residiam no lugar onde havia problemas de esgoto e necessidade de solucioná-los, achavam que seriam removidas. Não foi assim, todo mundo ficou, a Lagoa foi dividida em nove trechos e, com todo cuidado, fizeram reuniões para apresentar o Parque Orla e ouvir sugestões dos moradores.
“Acolhemos mais de 85% das reivindicações da população. Formaram-se associações, eles se organizaram. E não fizemos só reuniões, fomos também no tête a tête, conversando com eles, indo à casa deles. Hoje as famílias da comunidade convivem com os moradores do bairro Fazendinha. O poder público ajeitou essa relação. Se os moradores não se sentissem responsáveis pelo projeto seria difícil, eles ajudam a preservar”, contou Dionê, que só não conseguiu mostrar-nos o jacaré de três metros que vive na região e também convive com todos. Ufa.
Bem, o texto acabou ficando muito grande, mas foi preciso porque não é a toda hora que eu tenho a chance de fazer reportagens tão ricas, que me possibilitem tantas análises.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.