O bom livro do novo Rei da Inglaterra, ambientalista preocupado

A foto é da página 265 do livro e mostra o então príncipe contracenando com um sapinho animado por computador para estimular apoio às florestas e à biodiversidade

Foi-se a Rainha Elizaberth. Viveu 96 anos intensos, e deixa em seu lugar o príncipe, agora Rei Charles, que assume com 73 anos.

Importante é saber que o Reino Unido terá um monarca bastante comprometido com as questões ambientais. Sei disso porque li seu livro “Harmony – A Revolução da Sustentabilidade” (Ed. Campus Elsevier), que pretendo apresentar aqui para vocês. Vale a pena.

Charles é um ambientalista muito preocupado com os problemas socioambientais do mundo. E, como só acontece a um membro de famílias reais, teve tempo e ferramentas suficientes para se aprofundar no tema. O livro é denso, tem mais de 300 páginas, e reflete bastante o resultado de tanta especialização.

Logo no início, o novo Rei da Inglaterra faz um apelo forte, dizendo que o mundo está precisando de uma revolução, uma mudança radical “no modo como enxergamos o mundo e como atuamos nele”.

“Os alarmes da Terra estão soando alto e, por isso, não podemos continuar indefinidamente ocultando a verdade, buscando encontrar justificativa questionável após outra para evitar a necessidade de a raça humana agir de forma mais benigna em relação ao ambiente”, escreve Charles.

A seguir ele aborda assuntos absolutamente conhecidos e respeitados por quem, como eu, se dedica a estudar as propostas que surgem – ou não – para um desenvolvimento sustentável. Charles reconhece que todos os problemas que enfrentamos no mundo, hoje, estão, de alguma forma interligados. E é interessante perceber, no texto, que ele praticamente se justifica por tratar de tantos assuntos ao mesmo tempo.

“Temos de examinar a situação como um todo, a fim de melhor compreender os problemas que enfrentamos”, escreve ele.

A humanidade está equivocada, com erro de percepção, garante o Rei. Uma forma de ajudar a se construir um novo olhar sobre o mundo é com informação, e Charles se presta a compartilhar com o mundo tudo aquilo que aprendeu em 30 anos de estudos. Simpático. Sobretudo quando, logo nos primeiros capítulos, introduz um pensamento filosófico, anti-dogmático e anti-mecanicista. E aproveita para cutucar os ateus e o empirismo:

“… afinal, nenhum tomógrafo conseguiu capturar a imagem de um pensamento nem de um pouco de amor… sendo assim, o pensamento e o amor também não existem”, escreve.

Bem, talvez fosse o momento de discordar um pouco do monarca, já que está misturando as coisas. Mas, sigamos na leitura porque há aspectos menos abstratos e de suma importância para se entender como pensa o novo Rei da Inglaterra sobre os impactos da industrialização na natureza. Para ele, o meio ambiente foi sendo reduzido ao que é hoje: matéria-prima. Dessa forma, Charles critica a concentração de esforços no sentido de ver sempre resultados funcionais de tudo aquilo que se vê ao redor.

“A matéria-prima é um elemento funcional, mas só pode ter uma função quando é removida do ecossistema do qual depende, enviada a uma fábrica e transformada em outra coisa que é vendida como um produto. Posso ouvir pessoas dizendo: ‘E qual é o problema?’ A resposta é, não há problema algum, se prestarmos atenção ao quadro como um todo. Como as coisas são, nos concentramos apenas nos resultados, naquilo que sai da linha de produção. Não levamos em conta o impacto que esse processo exerceu sobre todo o sistema – que, aliás, também nos inclui”, escreve Charles.

O livro é, também, uma aula de história, já que visita eras antigas e personagens importantes para a humanidade. Ele conta, por exemplo, os primórdios das descobertas químicas do alemão Justus Von Liebig, considerado “pai do segmento de fertilizantes”, já no fim do século XIX. Descreve suas experiências como danosas à humanidade e traz também o contraponto, quando o filósofo Rudolf Steiner, um século depois, proferiu uma série de palestras sobre a crise na agricultura.

“Ele (Steiner) descreveu a abordagem de Liebig como uma proposta que retirava a agricultura do reino da vida e colocava-a no reino da morte… Hoje vivemos com o legado do trabalho pioneiro de Liebig, pelo qual a grande maioria dos alimentos que consumimos é produzida por um método de agricultura que se tornou assustadoramente desconectado da Terra”, escreve Charles.

Por fim, mas não menos importante, o novo Rei da Inglaterra faz uma homenagem sincera aos indígenas, defendendo que esses povos passem a ter o controle da terra para inibir o desmatamento. E dá o exemplo da Floresta Amazônica:

“Os mapas que mostram os padrões recentes de desmatamento nesta vaga região comprovam como a diferença tem sido impressionante. Em muitas das áreas mais atingidas, onde o desenvolvimento se deu fora das reservas indígenas, o processo de desmatamento está praticamente completo. Contudo, os povos indígenas receberam o controle da terra, as florestas têm sido mantidas, em sua maioria, e as emissões de gases estufa e perda de biodiversidade foram reduzidas”.

Rei Charles, assim, mexe num vespeiro, já que tem muita gente contra essa ideia, como se sabe. Mas ganha, por outro lado, a simpatia dos colegas ambientalistas. O livro vale a pena, sobretudo pelas informações e dados históricos.

Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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