Novo documentário de Yann Arthus-Bertrand inclui crise climática no contexto socioeconômico

Estava me perguntando por que eu não conseguia sentir alegria e ânimo ao ler notícias que animam e alegram os que apostam na tecnologia para nos livrar do aquecimento global.  Vou explicar: o conceituado site Climate Action desta semana traz uma reportagem que diz que “o crescimento da eletricidade renovável está acelerando mais rápido do que nunca em todo o mundo, com um novo recorde alcançado para instalações de eletricidade renovável este ano”. A Agência Internacional de Energia, que forneceu dados do estudo para serem divulgados, é uma agência respeitável e está muito interessada no tema. Os dados, portanto, são verdadeiros.

Praia de Ipanema, Rio de Janeiro: foto de Yann Arthus-Bertrand para o documentário “Nosso planeta, nosso legado”

Por que, então, não me comove mais, logo a mim, uma jornalista dedicada ao tema há tanto tempo? Afinal, captar energia e transformá-la em benefício dos humanos, de forma sustentável, tem sido apontado como o centro da solução dos problemas atuais da humanidade. É, segundo os estudiosos, a chave do sucesso contra as variações climáticas que tanto mal têm causado à humanidade.

Estava eu divagando assim, tentando descobrir a razão de minha apatia, quando recebi, por e-mail, o convite para assistir “Nosso planeta, nosso legado”, filme dirigido pelo renomado Yann Arthus-Bertrand. Agora com 75 anos, o fotógrafo francês especializou-se em fazer imagens incríveis, do alto, captando com drones a opulência da natureza. Em 2011 lançou “Home – Nosso Planeta, Nossa Casa”, que fez bastante sucesso. O atual “Nosso planeta, nosso legado”, parte do Festival Varilux, de cinema francês que acontece até dia 8 de dezembro em todo o Brasil, tem tudo para ser bem recebido também pelo público. Aliás, deveria ser filme obrigatório para se assistir nas escolas do mundo todo.

Além das imagens, que deixam a gente sem fôlego em algumas cenas, o filme é narrado em primeira pessoa por Arthus-Bertrand. O francês percorre a história da humanidade em 1h40m, desde a primeira energia que possibilitou a criação da vida e que só foi possível – vejam vocês! – por causa do efeito estufa.

No texto que lê in off durante todo o documentário, Arthus-Bertrand conta parte de sua própria história, quando viveu no Kenia, quando jovem, fotografando o comportamento dos leões. Ao se dizer espantado com o aumento da população que vive na favela queniana de Quibera – de 60 mil pessoas nos anos 70 para os atuais um milhão – Arthus-Bertrand mostra que seu documentário não vai tirar as questões climáticas do contexto socioeconômico. É de desigualdade social, de gigantismo e de falso progresso que o cineasta fala, o tempo todo, no filme. E retrata, de forma única, como chegamos a esse cenário, que nada tem de sustentável. Mesmo com tantas eólicas e placas solares a enfeitar alguns territórios.

A reflexão de Arthus-Bertrand dialoga com meus pensamentos, e faz todo sentido. Apesar do investimento que vem sendo feito nas energias renováveis mundo afora – melhor dizendo, nos países desenvolvidos – ainda vivemos, como demonstram os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) sob o grave risco de o planeta aquecer mais do que 2 graus até o fim deste século. Graças aos excessos dos humanos, é esta a resposta.

“Os painéis solares não substituíram os cem milhões de barris de petróleo que consumimos todos os dias”, disse o cineasta.

E não é qualquer coisa aquecer dois graus. Yann Arthus-Bertrand usa uma figura para atestar o que afirma: quando o nosso corpo se aquece dois graus nós nos sentimos muito mal. Quatro graus a mais, para um organismo humano, é a morte.

A energia, ou a maneira de captá-la a favor da humanidade, é o mote principal do documentário de Yann Arthus-Bertrand. Ele vai tecendo o pensamento com dados históricos importantes de se registrar. Até a metade do documentário, faz elogios ao homem, este ser que foi capaz de transformar uma dura realidade, de mortes precoces por doenças para as quais não se tinha solução e de fome por falta de meios para expandir a agricultura.

“Mas essa grande história de sucesso humano começa a derrapar. Tendo eliminado os obstáculos naturais, o homem continuou seu curso para frente cego e descontrolado, em desequilíbrio total. As pessoas têm ideia da crise que o planeta está passando? Amparados em suas riquezas, os humanos não abandonam seu instinto de acumulação, reprodução e disseminação”.

 O documentário lista alguns dos paradoxos que também fomos capazes de disseminar. Dois deles chamam especial atenção:

. Há quase 900 milhões de pessoas com fome no mundo, apesar de todo o território que já foi degradado pela indústria alimentícia e da quantidade exorbitante de pesticidas também utilizados, em tese, para aumentar a produção de alimentos e evitar a fome no mundo;

. Os oceanos estão entupidos de plástico. Isso deixa claro que, apesar de toda a campanha contra as tais sacolinhas plásticas, o mal continua. E por que continua? Vamos falar sinceramente: não são apenas as sacolinhas plásticas que entopem os oceanos. As grandes indústrias de alimentos embalam seus produtos – em plástico – para vendê-los.  No supermercado, o cliente paga pela sacolinha, o que seria uma forma de adestrá-lo a não usar muitas. Mas, quando se olha para os lados e vê-se a quantidade de isopores e PVCs utilizados para viabilizar a venda de alguns produtos, dá desânimo.

“Precisamos reduzir nosso consumo de combustíveis fósseis em 5% ao ano. E estou falando sobre as nações ricas, já que 70% das emissões de CO2 são produzidos por 10% da população mundial. Se não fizermos nada, em 2070 três bilhões de pessoas podem estar vivendo em regiões tão quentes como o Saara. Se não fizermos a descarbonização, vamos nos tornar cúmplices dessa tragédia”, disse o cineasta.

Algumas das soluções que ele sugere no documentário podem estar ao alcance de nossas mãos. Outras providências, é claro, dependerá da iniciativa das autoridades:

. Parar de comer comida processada;

. Parar de utilizar serviços de bancos que praticam finanças não sustentáveis;

. Escolher votar em políticos que priorizem as questões climáticas;

. Comprar menos e comprar coisas de segunda mão. Usar menos carros e, quando o fizer, dar preferência ao transporte solidário;

. Avião só deve ser meio de transporte em circunstâncias excepcionais.

Ao fim e ao cabo, minha apatia diante de sucessos tecnológicos alcançados em prol de energias renováveis tem explicação. Não que não seja necessário. Mas há muito, muito mais a ser feito para incluir pessoas no rol das vitórias das máquinas.

Texto de Amelia Gonzalez

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