Meus últimos dias têm sido dedicados também (além dos trabalhos como conteudista) a rever textos meus, antigos, para um possível livro. E tem sido uma viagem no tempo. Desde o início do século venho me atualizando no tema que hoje ocupa as manchetes mas que, em 2003, quando foi criado o “Razão Social’, ainda se lia apenas nas entrelinhas. (A foto foi tirada por mim numa viagem à Floresta Amazônica em 2015).
A publicação foi pensada como um espaço para as empresas mostrarem seus projetos sociais bem sucedidos, movimento chamado de Responsabilidade Social Corporativa. Mas, com o tempo, fomos mudando o leme, e o “Razão Social” se tornou também uma fonte de reportagens sobre o movimento socioambiental, envolvendo as empresas mas dando voz às ONGs e aos acadêmicos.
Por ter tido tanto acesso às práticas e às teorias, hoje em dia eu me censuro um pouco, para não cair no discurso do “nós avisamos”, quando acontece um evento extremo tão sério quanto o que assolou o estado do Rio Grande do Sul no fim de abril. Mas, às vezes, é impossível evitar. Vamos encontrar e punir os culpados, vamos politicizar a questão, vamos cuidar dos desabrigados, mas vamos também, por favor, pensar que estamos longe, muito longe, de agir com o cuidado que precisamos ter para não acontecer isto novamente.
E vamos aprender a prestigiar candidatos que tenham uma plataforma voltada aos cuidados necessários para minimizar os efeitos dos eventos extremos. Porque eles serão mais constantes e intensos, como já avisaram os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC). O quinto relatório do grupo, lançado em 2014, portanto há uma década, é enfático: “O regime de chuvas, as correntes marinhas e o padrão dos ventos estão sendo perturbados, aumentando a tendência de secas e enchentes”.
A questão é: quem ouve esses alarmes?
Ainda no trabalho de organizar os textos para o livro, ontem à noite eu reli a entrevista que fiz em 2007, ou seja, há dezessete anos, com a ex-primeira ministra da Noruega Gro Brundtland. Ela estava no Brasil para dar uma palestra em comemoração aos vinte anos do Relatório Brundtland, ou “Nosso Futuro Comum”, publicado pós reunião de líderes mundiais, coordenada por ela, que cunhou a expressão desenvolvimento sustentável em 1987.
Mrs Brundtland falou-me sobre os principais desafios da humanidade nas questões climáticas e elegeu a energia como o grande imbróglio. Foi enfática ao afirmar que os países ditos, à época, em desenvolvimento (China, Índia e Brasil especificamente) tinham se industrializado com a ajuda dos ricos. Sendo assim, já estariam em condições de ajudar os mais pobres.
Naquele primeiro decênio do século XXI, a China ainda não se tornara a potência que é hoje, e o Brasil estava apostando em etanol que, fez questão de frisar Brundtland, era uma boa fonte de energia. “Mas é preciso diversificar”, acrescentou ela. Sua grande aposta é a energia solar.
Pesquisando hoje, véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente, descobri que Inger Andersen, diretora do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), escreveu um texto no site da instituição, conclamando o mundo a um movimento para “restaurar as nossas terras”. Segundo ela, três milhões de pessoas são afetadas pela degradação dos solos e pela desertificação.
Já o relatório Brundtland, quase quatro décadas atrás conclamava a população mundial a fazer uma mudança nos meios de produção e consumo para garantir a sobrevivência da raça humana no planeta. A Comissão que o produziu começou a trabalhar nele em 1984 e levou mil dias para lançá-lo.
Tinha acabado de reler a entrevista e de pesquisar sobre o Relatório quando recebi o livro “Terra Viva”, escrito por Vandana Shiva, filósofa, física, ecofeminista e ativista ambiental indiana a quem tive o prazer de conhecer durante a Rio+20. O texto é uma riqueza, conta detalhes de sua vida e da luta civil, em seu país, contra aqueles que queriam derrubar florestas. Recomendo a leitura.
Foi impossível deixar de fazer uma conexão entre a reunião que acontecia na Europa, capitaneada pelas Nações Unidas, o movimento que surgia na Índia, contado por Vandana Shiva em seu livro, e a mensagem atual do Pnuma. O objetivo tem sido o mesmo: salvar o meio ambiente dos impactos causados pelos homens.
Estamos andando em círculos?
Em 1986, quando começava a ficar pronto o relatório capitaneado por Brundtland, que dizia ser necessário usar os “recursos naturais” hoje, de forma a não faltar para as gerações futuras, na Índia o momento era bem diverso. Havia um movimento forte, liderado em sua maioria por mulheres que abraçavam as árvores em florestas tropicais para impedir que os representantes do setor madeireiro as cortassem.
“A diversidade, a harmonia e a essência autossustentável da floresta formaram os princípios organizacionais que orientaram a civilização indiana”, escreve Vandana Shiva. “O povo da Índia reconhece tradicionalmente que a sobrevivência humana depende da existência de florestas”.
O movimento que incentivava as mulheres a abraçarem as árvores, agarrarem-se a elas e salvá-las dos “homens do machado” chamava-se Chipko. Vandana segue contando suas experiências, desde menina criada ao pé do Himalaia. E brinda os leitores com análises que tornam muito simples o entendimento de que é possível preservar as florestas e, mesmo assim, crescer economicamente, desde que levando em conta as pessoas em volta. Desde que o verbo não seja acumular, e sim dividir.
As indianas e os indianos do movimento Chipko, assim como todos os povos que vivem nas florestas mundo afora, sabem o valor que elas têm. “Como comunidade, a floresta é vista como um modelo de evolução social e civilizacional”, escreve Vandana Shiva.
É simples assim.