Movimento Slow pode ser uma boa proposta de reflexões para nosso tempo tão agitado
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Não me canso de pensar sobre os paradoxos de nosso tempo. Eu ia escrever de nossos tristes tempos, mas me arrependi. Não são tristes. São desafiadores.

A um só tempo estamos vendo e sentindo na pele os efeitos das mudanças do clima causadas pelo uso excessivo de combustíveis fósseis, sabemos o que precisa ser feito para coibir, e estamos paralisados. Falei isso dia desses com uma vizinha, que compartilhou comigo sua desilusão pelo fato de estarmos perto de explorar petróleo no Norte do país, na margem equatorial.

“Não podemos permitir isso! Temos que partir para combustível fóssil zero”, disse-me ela, inflamada.

Pensou conseguir coro para sua indignação, mas tudo o que fiz foi mostrar-lhe um dos grandes imbróglios e paradoxos que estamos vivendo. Pois pouco antes de seu discurso, a amiga me contara que estava com viagem comprada para a França.

“Sabe que se realmente partirmos para radicalizar nessa questão, você não poderia ir para a França, né? O diesel é o maior poluente em termos de gás carbono”.

É claro que ela não gostou de ouvir. Mas saiu pensando, e eu também.

Como vamos conseguir fazer a mudança necessária se estamos tão intrinsecamente ligados a um modo de vida que nos deixa com a pecha – legítima – de depredadores do ambiente?

Como parar, de hora para outra, de usar dispositivos que se tornaram praticamente nossas muletas? Com os quais trabalhamos, inclusive, para receber um valor que nos permita pagar as contas.

Como parar, de hora para outra, de usar transporte para ir e vir a lugares distantes de nossas casas?

Para não falar sobre o consumo de carne vermelha, de carne de porco, de peixes, frangos e outros alimentos que, muitas vezes, atravessam oceanos para chegar aqui com um ‘selo de qualidade”.

Para encarar de frente o problema, é preciso ir à raiz dele. E, a seguir o que dizem os cientistas, que apontam a I Revolução Industrial – que teve lugar na Inglaterra em 1760 – como o início das emissões de carbono na atmosfera, é possível dizer que as máquinas, marca da nossa civilização, são as vilãs das mudanças do clima.

 A criação das máquinas, que passaram a ajudar o homem a fazer suas tarefas, apresentou o conforto a quem sempre esteve habituado a obter tudo de maneira rudimentar e com muito esforço.

No artigo de Jair Rodrigues Dias Júnior, o bolsista do Sebrae conta que “Três tipos de máquinas destruíram o velho mundo e construíram o novo. A primeira foi a máquina de fiação (1765), a segunda o tear mecânico (1784) e a terceira, o motor a vapor (criada no século XVII e aperfeiçoada por James Watt em 1781)”.

Tudo era mais lento antes da criação das máquinas. Um sapato era feito em quase dois dias, o que nem se compara aos vinte minutos que hoje são necessários para a produção de um calçado. Em compensação, muito menos pessoas podiam comprá-lo.  Sim, como tudo na vida, há dois lados.

Mas se o homem conseguiu criar máquinas e partir daí para um sem número de dispositivos em prol do próprio conforto, por que não consegue, agora, livrar-se do mal maior?

 Desde 1988, quando foi criado, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) da ONU vem alertando para o fato de que o planeta está aquecendo anormalmente. E que as consequências disso são eventos climáticos, que foram responsáveis por 45% de todas as mortes nos últimos 50 anos, conforme relatório da Organização Meteorológica Mundial lançado em 2021.

Não houve reações à altura, por parte dos líderes que se reúnem anualmente em conferências climáticas. Na micropolítica municipal também não há reação à altura porque a maioria dos prefeitos parece viver em outro mundo, tendo em vista as poucas políticas públicas que realmente levem em conta os desastres.

Sendo assim, o que fazer?

 “Movimento Devagar”, diz um grupo que se dedicou a pensar em outra forma de vida cotidiana que possa influenciar, inclusive, as questões climáticas. Como? Prezando pelo bem-estar, pela volta das boas práticas que nos permitam aproveitar melhor o tempo, desafiando o culto à velocidade.

Neste site há explicações sobre o Slow Movement, que abarca o Slow Food, Slow cities, slow kids, slow design, slow living… A ideia é desacelerar. Claro que ninguém está pregando a volta aos tempos anteriores à criação das máquinas. Mas me parece que esse movimento pode deflagrar reflexões.

Por que diminuir a velocidade pode ser melhor para o clima? Porque, de alguma forma, o consumo também entraria em outro diapasão. E, reduzindo o consumo, a produção também tem que baixar.

 Na Encíclica Laudato Si, de 2015, o Papa Francisco escreve: “Ainda não se conseguiu adotar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não-renováveis, moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e reciclando-os.”

A filosofia Slow é sobre ter qualidade em detrimento da quantidade em tudo, desde o trabalho à comida e à criação dos filhos e propõe o uso responsável de todos os recursos. Daí ser uma possibilidade de ajudar também o movimento ambientalista: afinal, estamos todos no mesmo barco, que parece estar afundando.

Para quem quiser saber mais, o movimento Slow, criado no fim do século passado, é explicado em detalhes pelo autor escocês Carl Honoré no livro “Devagar”. Honoré viveu um tempo no Brasil, no Ceará. Hoje existem 91 cidades de três países que fazem parte do movimento. Aqui no Brasil, a cidade Socorro, com cerca de 40 mil habitantes, é uma delas.

No dia 23 de setembro haverá uma comemoração mundial do Slow, que será chamada “Dia do Bem Viver”. Não custa pensar a respeito.

Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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