O livro “Revolução das plantas”, do cientista italiano Stefano Mancuso, é uma leitura obrigatória, nos tempos que estamos vivendo, para quem acredita que pensamentos leves podem servir como antídoto contra a amargura que teima em tomar conta num cenário tão triste. O conteúdo pode ser lido na Internet. Vale a pena.
Uma boa leitura, sim, pode nos livrar da amargura desses nossos tempos. Tempos em que, como diz o historiador Yuval Noah Harari, nós humanos tivemos condições de mostrar total sabedoria e sucesso no campo científico para enfrentar uma pandemia e absoluto fracasso no campo político, humanitário.
Mas a arte salva a gente. A leitura também. Ainda mais quando um bom autor nos aproxima, num texto sensível, gratificante, de tudo aquilo que nos cerca. E não falo de coisas, mas da natureza, da saúde. Há tempos eu vi, no documentário “Para onde foram as andorinhas”, com roteiro de Paulo Junqueira, do Instituto Socioambiental (ISA) (https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/premiado-curta-lancado-para-internet-alerta-para-mudancas-climaticas-no-xingu) , que os indígenas do Xingu costumam aferir se vai chover pelo canto das cigarras. Para mim, cantam os bem-te-vis quando querem me dizer que o calorão vai desabar em águas dos céus.
É dessa forma, caminhando e olhando para cima, para os lados, fazendo contato com pássaros e plantas, que vou tamponando minhas tristezas (ouvi isso hoje, de uma amiga, gostei e estou repetindo). Mas não sigo só. Convido – obviamente não no sentido literal, mas virtual do termo – alguns autores a caminhar comigo. Ultimamente o italiano Stefano Mancuso, da obra “Revolução das Plantas” (pode ser lido em PDF) virou meu livro de cabeceira. O cientista Mancuso detalha nele experiências feitas com plantas que levaram os pesquisadores a concluir que elas apresentam comportamentos interessantes, estão bem mais perto da cognição animal do que supomos, ainda que sem cérebro.
Eis um pensamento que acolhe, distrai.
O livro não sugere que as plantas sejam sencientes, ou seja, elas não sentem dor, o que exime de culpa os vegetarianos. As pesquisas levam, principalmente, ao entendimento de que as plantas têm memória. É delicioso o relato do estudo que chegou a essa conclusão, encabeçado pelo biólogo Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, cavaleiro de Lamarck, no século XIX.
Monet se interessou em desvendar o mistério do mecanismo de fechamento das folhinhas da Mimosa pudica, folhinha que muitos conhecem pelo nome de Dormideira. Ela fecha delicadamente as folhas quando é submetida a algum estímulo externo, por exemplo, se forem tocadas. Outros estudiosos já haviam atinado para o fenômeno, tentaram desvendá-lo, e é preciso dizer que até hoje continua sendo um mistério.
Mas Lamarck observou um detalhe que mudou o rumo dos estudos e agregou uma informação que interessa muito a Mancuso e a todos nós, amantes das plantas e do planeta Terra.
É que, depois de algum tempo sendo estimulada e se fechando, a planta para de responder. No início o cientista interpretou assim: é cansaço. Depois de muitas vezes, no entanto, em que o fenômeno foi repetido pela plantinha (que se fechava a cada estímulo), a dormideira não teria mais energia para fazer isso. Só que, em algumas situações, Lamarck observou que a planta parava de responder mesmo antes de ficar cansada.
Daqui por diante, quem vai contar a história para vocês é o próprio Mancuso:
“O botânico francês elaborou um experimento inédito. Pediu a um de seus alunos que transportasse muitas plantas em uma carruagem para um agradável passeio por Paris e, escrupulosamente, verificasse o comportamento delas. Ele deveria, sobretudo, observar com atenção quando elas fechassem as folhas. O estudante, cujo nome não sabemos, evidentemente acostumado aos pedidos extravagantes de seu mestre, não titubeou. Colocou nos assentos de um cupê vários vasos de Mimosa pudica e ordenou ao condutor que desse uma volta pelos lugares mais interessantes da cidade, com um trote moderado e, se possível, ininterrupto. No entanto, enquanto continuavam passeando, algo inesperado aconteceu. Primeiro uma, depois duas, depois outras cinco, finalmente todas as mudas começaram a abrir as folhas, apesar de as vibrações da carruagem terem continuado com igual intensidade. Foi um fato interessante. O que estava acontecendo? O aluno desconhecido teve um estalo e anotou no caderno: as plantas estavam se acostumando”.
Conclusão: as plantas têm uma forma especial de memória, sem cérebro.
Este é somente um exemplo, que ocupa algumas das quase cem páginas do livro de Mancuso. Ele também discorre sobre a capacidade de as plantas se mimetizarem com outras, o que venho observando aqui na minha janela. Pode ser que eu esteja sendo influenciada pela leitura de Mancuso, mas ando percebendo que as folhas da minha lavanda estão parecidíssimas com as folhas do meu alecrim… Tirei foto para vocês servirem de testemunhas.
E assim consegui escapar um pouco de nosso presente comum e angustiante, sem precisar usar foguetes. Fazer contato com o mundo ao redor, com a natureza que nos cerca, ao contrário de servir como fuga, é uma incursão em saúde. E vale a pena.