Há quem defina o ano de 1988 como uma espécie de data de nascimento das ações climáticas. Mais especificamente, se assim preferirmos, o dia 23 de junho daquele ano, quando o então diretor da Nasa James Hansen, hoje um octogenário ativista ambiental, discursou a uma audiência lotada de parlamentares que suavam muito por conta do calor excessivo àquela época do ano, sobre o aquecimento global. Hansen foi taxativo: as mudanças climáticas são consequência das atividades humanas. Mais tarde, num artigo para o jornal “The New York Times”, Hansen escreveu que já era tempo de “parar de tagarelar” sobre a Ciência e enfrentar seriamente a questão.
Foi também naquele ano, 1988, a primeira reunião dos cientistas do United Nation´s Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), atualmente nosso quase velho conhecido. Já no ano seguinte, uma pesquisa feita entre a população norte-americana mostrou que 79% tinham ouvido falar dos efeitos produzidos pelos gases poluentes na nossa atmosfera.
Ponto para Hansen por ter conseguido espalhar a ideia. No entanto, a história registra que bem antes disso já havia estudiosos preocupados com a relação da humanidade com a natureza. Hoje já se sabe: ela é complexa. O homem se sente superior em todos os momentos, certo de ter o poder de devastar o ambiente onde vive, mesmo assistindo a degradação ao redor. Já percebendo a delicadeza dessa relação, por exemplo, Victor Hugo, o grande escritor, escreveu em 1840:
“Fico triste quando penso que a natureza fala e a humanidade não escuta”.
Sem precisar ir tão longe no passado, podemos definir outra data, 1972, ano em que ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo: a primeira conferência mundial a fazer do meio ambiente uma questão importante. No Edifício Folkets Hus, Centro da capital sueca, os líderes mundiais aceitaram o convite feito pela ONU e se reuniram de 5 a 16 de junho para “inspirar guiar os povos do mundo na preservação e valorização do ambiente humano”.
“Por ignorância ou indiferença podemos causar danos massivos e irreversíveis ao meio ambiente terrestre, da qual nossa vida e bem-estar dependem”, escreveram os líderes então reunidos na ensolarada e fria Estocolmo. Há exatos 49 anos.
Por que lembrar disso agora?
Porque visitar a história é importante, sobretudo quando a humanidade insiste em fechar os olhos e negar o que é óbvio e que a Ciência mostra com tanta exatidão. Aliás, quanto a isso, gosto sempre de lembrar que há estudiosos que recordam aos negacionistas um fato notório: quando a Ciência serve para nos dar conforto e aliviar dores (como no caso das tecnologias usadas na Medicina), ela não é negada.
Nossa situação atual é bem diferente daquela que, já na metade do século XIX, preocupava Victor Hugo. Está pior, muito pior. Incêndios, secas, tormentas graves têm se alastrado com mais força e violência. Alertas de desmatamento na Amazônia, em março deste ano, foram os maiores já registrados para o mês desde o começo da série histórica, segundo dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). É, portanto, um sinal mais do que claro e evidente que não estamos escutando o que a natureza vem nos dizendo. Exceção feita, com mesuras e reverência necessárias, aos indígenas, povos que conseguem manter suas terras com o menor impacto.
Neste sentido, um relatório lançado em janeiro deste ano pela organização alemã Germanwatch, muito conceituada e que há anos tem se dedicado a fazer estudos sobre os impactos das mudanças climáticas, não colabora para nos deixar otimistas. Mas é necessário como estudo para políticas públicas e registro histórico.
O relatório se chama Global Climate Risk Index e traz dados estarrecedores. Mais de 475 mil pessoas morreram, no mundo todo, entre 2000 e 2019, por conta de eventos extremos – tempestades, inundações, onda de calor e seca. Foram mais de onze mil desses eventos, que resultaram na perda de US$ 2,56 trilhões.
Não custa lembrar que 2000
Jogando para a frente, os estudos mostram que até 2030 as estimativas dão conta de que serão perdidos entre US$ 140 e US$ 300 bilhões anualmente. Já quando a estimativa é feita até 2050, estes números sobem para US$ 280 e US$ 500 bilhões. Considerando apenas os países emergentes, as estimativas de perdas financeiras de hoje até 2030 estão entre US$ 290 e US$ 580 bilhões.
Entre 2000 e 2019, Porto Rico, Myanmar e Haiti foram os países mais afetados pelos impactos dos eventos extremos. O relatório mostra ainda que a pandemia que estamos vivendo desde que fomos atingidos pelo Corona Vírus reitera o fato de que riscos e vulnerabilidade são sistêmicos e estão interconectados.
É isto.
Foto da chamada de Kyodo – via Reuters.