Não sei quanto a vocês, mas eu gosto muito de visitar a história. Especialmente o ano de 2022 será recheado de efemérides no campo do desenvolvimento sustentável, pelo trigésimo aniversário da Rio-92, a Conferência Mundial de Meio Ambiente que aconteceu no Rio de Janeiro.
A notícia que puxou meu fio da memória saiu no “The New York Times” desta semana. Na verdade, uma denúncia de que os movimentos ambientalistas que fazem propaganda sobre algodão orgânico na Índia não contam toda a verdade. O que não é dito é que os produtores de algodão orgânico indianos têm uma enorme dificuldade para manter seus negócios.
As grandes marcas vendem seus produtos de algodão orgânico por um preço muito maior do que as peças de algodão comum. E fazem estardalhaço sobre isso, a propaganda conta que o algodão é cultivado sem pesticidas químicos, fertilizantes químicos e sem sementes geneticamente modificadas. O primeiro problema é que tudo isso pode ser falso, baseado em órgãos certificadores cuja credibilidade tem sido questionada.
Resultado: entre metade e quatro quintos do que está sendo vendido como algodão orgânico da Índia não é genuíno.
O assunto está tomando vulto, e as ONGs que trabalham com produtores que, verdadeiramente, fazem plantações orgânicas, têm medo de que os consumidores passem a considerar tudo falso. A marca de roupas femininas Eileen Fisher expôs o problema em seu site e avisou: “O algodão ‘orgânico’ vendido a cada ano excede em muito a quantidade que realmente é cultivada”.
É importante, no entanto, perceber que não se trata de greenwash. Para quem não se lembra, esta expressão surgiu no fim dos anos 80 e quer dizer a maquiagem que algumas empresas (no caso, as grandes marcas de roupa) fazem para vender produtos como se fossem eco friendly e, assim, elevar sua imagem junto à sociedade. Foi em 1988 que o Relatório Brundtland cunhou, pela primeira vez, o termo desenvolvimento sustentável.
O caso do algodão orgânico da Índia esbarra numa questão que, até hoje, mesmo trinta anos depois da Rio-92, mesmo 50 anos depois da primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano, que aconteceu na capital sueca em 1972, não consegue uma resposta. A plantação que não usa os aditivos químicos é, sim, melhor para o meio ambiente e para a saúde dos consumidores. Mas não ajuda os produtores a ganharem seu sustento. Portanto, não se pode falar em desenvolvimento sustentável quando o negócio agrega valor apenas a uma parte.
A equipe de reportagem do NYT foi à aldeia de Chandanpuri e conversou com Niyajy Ali. Aos 60 anos, o pequeno produtor familiar de algodão se deixou cativar pela proposta de uma empresa suíça que se apresentou a ele para transformar sua produção em algodão orgânico. Forneceu treinamento e sementes, ensinou a fazer fertilizante orgânico, tudo o que Ali precisava, e ele gostou porque já vinha se incomodando com as sementes geneticamente modificadas que usava, pois elas secavam o solo.
Em troca, a empresa suíça se comprometia a comprar qualquer volume excedente e pagava a ele um prêmio sobre o prêmio de mercado do algodão convencional.
Foi tudo feito de acordo. Mas teve um detalhe com o qual Ali não contava: a safra de algodão orgânico é muito mais reduzida (cerca de 27%) do que a de algodão convencional. E seus custos com sementes e mão de obra excederam em muito os prêmios pagos a ele pela suíça. Os produtores de algodão orgânico ganham quase 21% menos do que os de algodão convencional. Além disso, a fibra do algodão orgânico é de pior qualidade, o que fez as grandes marcas baixarem o preço de compra.
Obviamente, o produtor indiano vai voltar para o algodão convencional.
O caso do algodão indiano orgânico é emblemático para que se possa ampliar a reflexão sobre as promessas, os acordos, versus a realidade. Não se pode dizer que os cinquenta anos que nos separam da primeira Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento passaram sem modificações relevantes na maneira como o homem impacta seu entorno. Por outro lado, tampouco se pode creditar aos acordos e protocolos, às reuniões e conferências, um papel decisivo. Fosse assim, não teríamos o alerta dado pelos cientistas no último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês), de que o mundo ultrapassará a meta de 1,5 grau já na próxima década.
Fosse a humanidade mais atenta ao desenvolvimento verdadeiramente sustentável, não teríamos uma elite de 2.755 bilionários no mundo, contrastando com o fato de que, desde 1995, o 1% mais rico acumulou quase 20 vezes mais riqueza global do que os 50% mais pobres da humanidade (dados do relatório Oxfam de 2021).
A questão é saber quando os líderes e os empresários terão maturidade para perceber que desenvolvimento sustentável é muito mais do que uma expressão atraente para o mercado. Quanto aos cidadãos comuns, antes de aderirem a uma nova promessa “verde”, vale a pena pesquisar e responder à altura caso a ponta da cadeia não esteja sendo beneficiada.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.