“Nenhuma instituição pode substituir o lugar e a importância que têm a família e a comunidade na vida de uma criança”. Esse importante princípio faz muito sentido em tempos de resguardo, quando, forçadamente, as crianças precisaram voltar aos seus ninhos e lá passar 24 horas de seus dias.
Por Gabriela Dal Forno Martins
Dias atrás, escrevi um texto aqui em nosso Blog sobre a experiência de imersão na Fundação AMI/Equador. Para acessar esse texto clique aqui. Apresentei alguns dos princípios essenciais que foram discutidos com nosso grupo no Seminário na AMI e gostaria de seguir refletindo sobre esses princípios.
Ainda muito tocada com a experiência que vivi no Equador, com o trabalho da AMI, com a doçura de Maria e Étienne e com tantas trocas que fizemos e seguimos fazendo entre nós, colegas de Seminário, não posso deixar de continuar compartilhando com vocês um pouco do que sigo pensando. Na verdade, temos dito entre nós que essa experiência na AMI parece nos ter fortalecido para aquilo que não imaginávamos que viria pela frente. Fez aumentar também nossa responsabilidade diante do olhar para crianças, famílias e instituições nesse momento de crise.
“Nenhuma instituição pode substituir o lugar e a importância que têm a família e a comunidade na vida de uma criança”. Esse importante princípio faz muito sentido em tempos de resguardo, quando, forçadamente, as crianças precisaram voltar aos seus ninhos e lá passar 24 horas de seus dias. Não todas as crianças, infelizmente, mas aquelas que possuem uma família ou cujos pais podem estar em casa com elas. Onde estão as demais crianças? Esse é um ponto a pensar.
Mas o que quero refletir aqui é sobre o papel da família e da comunidade nesse momento. Tenho defendido, já há bastante tempo, que, o fato de defendermos a importância da escola nos primeiros seis anos de vida, não implica diminuirmos o papel da família. Inúmeros estudos e a vida por ela mesma nos mostra que as experiências vividas na família deixam marcas poderosas na nossa existência, a ponto de que, por mais que façamos muitos esforços quando as crianças não possuem uma família (que devem ser feitos, sem dúvida), nenhuma instituição é capaz de substituir seu papel.
E que papel é esse? Tem a ver com:
EXISTIR, PERTENCER, SER AMADO INCONDICIONALMENTE, TER UM LUGAR PARA VOLTAR E UM LUGAR QUE TE IMPULSIONA A IR ADIANTE.
Em momentos difíceis, de crise, de transição, é para este lugar que voltamos e é ali que encontramos o refúgio necessário para, depois, voltar a seguir em frente. Penso que é disso que as crianças estão precisando muito agora. Sentir que possuem um lugar seguro no mundo. As atividades para “estimulação do desenvolvimento”, embora importantes, não estão em primeiro plano (a menos que o investimento que o adulto faz para oportunizá-las transmita para a criança essa mensagem de “estou contigo e desejo que fiques bem”).
Não nos preocupemos com o suposto “tempo perdido de aprendizagem”, porque o único tempo que podemos perder agora é o tempo de sentir que temos com quem contar. Perder essa oportunidade certamente trará muito mais prejuízo para as crianças do que perder as atividades. Não estou aqui defendendo que não se faça nada com as crianças. Pelo contrário, que se façam coisas leves e com sentido, tanto para as crianças, quanto para os adultos. Estar simplesmente juntos, trabalhar juntos, trocar olhares à distância, ajudar-se mutuamente, participar do cotidiano de tarefas e dos rituais naturais da vida (comer, higienizar-se, dormir). Isso tudo é a vida e aí contém muitos elementos de “estimulação”!
Outra ressalva importante: deixem as crianças brincarem com autonomia e não se culpem por precisarem também de um tempo para suas atividades. Preparem oportunidades, deixem que mexam em coisas interessantes, flexibilizem ambientes muito limpos ou excessivamente arrumados. Mas deixem as crianças explorarem! E permaneçam perto, escutem, tentem entender o que elas expressam em suas brincadeiras. Brinquem junto quando a criança parece querer sua presença. Não se preocupem em ensinar conteúdos pré-estabelecidos pelos adultos.
E as escolas? Não posso deixar de falar sobre as escolas. Se elas não substituem o papel da família, são dispensáveis? NÃO! As escolas farão muita falta nesse momento. Falta para as crianças, em primeiro lugar, mas também falta para as famílias, que precisam tanto do seu apoio em múltiplos aspectos. As escolas, embora não substituam a família, são também espaços de muito calor emocional, de muito vínculo e de muitas possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem. Elas permitem ampliar o mundo da criança, social, emocional e material. Criam desafios que, muitas vezes, a família não pode criar, por diversas razões. Mas as escolas fazem isso vivenciando o cotidiano com as crianças, criando espaços físicos e interações que permitem essas experiências. Não há como, para uma criança de zero a seis anos, recriar tudo isso à distância. Não é possível preparar aulas a serem aplicadas em casa! Porque é justamente o espaço físico e relacional diferente da escola que permite essa ampliação.
Então educadores e gestores, é necessário reencontrar uma forma de continuar sendo escola nesse momento e penso que isso é possível! Criar momentos pontuais de encontros virtuais com as crianças, apenas para conversar, trocar carinhos e matar a saudade? Criar esses mesmos espaços para as famílias, de modo a seguir apoiando-as nas diferentes necessidades e dúvidas que possam surgir? Sugerir ideias de vivências que as famílias podem realizar com as crianças? Tudo isso é possível e dependerá muito de cada comunidade escolar, de suas possibilidades de tempo, espaço e tecnologia. Não há uma receita! Mas penso que algo é fundamental: não se trata de recriar o cotidiano da escola de forma virtual, isso é impossível! Isso fere por completo as diretrizes tão arduamente construídas ao longo dos anos em nosso país e que só agora parecem estar, de maneira mais ampla, sendo incorporadas nos cotidianos.
Deixo aqui minhas inquietações, para ver se elas ecoam nas inquietações de vocês. Com muito carinho pelas crianças, famílias e instituições, tão fundamentais agora e ainda mais no período de reconstrução que teremos de fazer.
Abraços esperançosos!
Gabriela Dal Forno Martins – diretora da Zelo Consultoria
Quer saber mais sobre a Fundação AMI? Conheça o site: http://fundacionami.org.ec/wp/