Antes de mais nada, vou ser sincera: nunca fui especialista em Economia. Nem daquela que se faz em casa – só eu sei como já fui gastadeira – nem daquela que se lê em livros ou em jornais. Mas, por incrível que pareça, nas últimas duas décadas dediquei-me a ler e pesquisar a respeito, desde que comecei a me afeiçoar pelo tema desenvolvimento sustentável, que hoje tem vários outros nomes em seu bojo. Desenvolvimento sustentável ou ESG nada mais é do que um alerta feita desde os anos 70 (na verdade, desde muito antes) por pessoas que descobriram que os bens naturais – e comuns – não eram finitos.
Ou seja: passei a me dedicar à economia quando eu descobri que tudo o que se gastou e se gasta para proporcionar conforto e uma vida bem vivida a uma parte (pequena) da população mundial está se acabando. Irreversivelmente. Até a água! Assim, até mesmo a alcunha de “renovável” que se apensa à energia conseguida à base de água é falsa. Diz o Professor Benjamin Sovacool da Universidade de Aarhus, Dinamarca, que se continuarmos gastando água como estamos gastando até 2040 ficaremos sem ela.
Bem, mas vamos voltar à economia formal, aquela do dia a dia.
Era um sábado de feira-livre aqui no bairro. E eu hoje em dia gosto de ter o controle mais ou menos rígido sobre o que gasto para comer. Assim, pego uma quantia em dinheiro no caixa eletrônico e pago a maior parte do que compro em moeda corrente.
Na lojinha de posto onde eu tinha tirado o dinheiro, quis trocar a nota de cem reais. Mas, de antemão, sei que ninguém mais troca dinheiro por nada, ou seja: uma de cem por duas de cinquenta não rola. Peguei então dois produtos no total de R$ 24,00 e fui à moça do caixa. Segue o diálogo:
—- Ihhh… não tem menor não? – disse a menina com cara de umbigo (adorei essa expressão que ouvi dia desses de uma amiga. Cara de umbigo é mais ou menos o que minha mãe chamava de ‘entojo’, mesma família).
—- Não. Acabo de pegar dinheiro no caixa eletrônico – disse eu.
—– Então me paga com cartão. Pode ser de crédito.
—– Não. Eu quero, justamente, que você, que está num comércio de muito movimento, me ajude a trocar esse dinheiro.
—— Pode ser em moedas? – perguntou ela.
—– Pode – disse eu.
—– Vou lhe dar R$ 50,00 em moedas então, tá? – disse ela.
Nesse ponto eu percebi que a moça estava irritadinha. Era sábado pela manhã, talvez ela tenha saído na noite anterior, o encontro que tinha marcado não deu certo, ou deu muito certo e ela estava com uma tremenda ressaca. Seja o que for. Fato é que ela não estava nem um pouco a fim de facilitar a minha vida. R$ 50,00 em moedas, claro que não aceitei.
Reação imediata: também fiquei a fim de não facilitar a vida dela. E disse:
—- Vou ficar aqui esperando você ter troco.
Foi uma birra, é claro. E no melhor estilo bateu-levou. Como a moça trabalha ali, quem perdeu (tempo) fui eu. Mas saí com cara de vencedora depois que ela foi obrigada a me dar o troco em notas de R$ 20,00.
Bobagem pura.
À tarde, ainda sob os efeitos da minha ranhetice, fiz aquilo que a geração criada pelas redes-sociais mais sabe fazer: protestei na web. Deu o que falar.
E, também como tem acontecido nos últimos tempos, o debate acirrou-se. Contra ou a favor, ninguém no meio termo.
Umas pessoas declararam que há mais de um ano não levam R$ 1 na carteira. Outras confessaram que se sentem como dinossauros quando passam por uma situação semelhante à que eu passei. Lembraram do PIX, que agora é o passaporte para qualquer compra, e alguém até foi além: ‘Não confio em quem não tem PIX”, referindo-se, é claro, às pessoas que prestam serviço.
E eu, que nem PIX tenho? Serei uma reacionária, uma pessoa fora do meu tempo? Devo ser alijada, posta de lado à categoria de velha retrógrada?
Não e não. Estou com Stefano Mancuso, meu atual autor predileto (“Nação das Plantas’, Ed. Pergaminho) : se a humanidade fosse mesmo tão inteligente, perspicaz e safa, não estaria matando sua fonte de oxigênio, mesmo sabendo que precisamos dele para garantir a sobrevivência da espécie.
Sendo assim, lanço-me ao que sei e gosto de fazer: refletir.
Dados das Nações Unidas divulgados no ano passado dão conta de que 2,7 bilhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso à internet. Sem acesso à internet, sem PIX. A falta do acesso à internet cria também um quê de desconforto, de estar fora da bolha. Eis, portanto, um dos motivos que reforça meu pensamento: dinheiro digital é exclusivo.
E como quando a gente puxa o fio de um novelo muita coisa vem junto, eu já estava refletindo a esse respeito quando ouvi ontem uma entrevista que o professor, economista e pesquisador da ONU Ladislau Dowbor deu a um programa na TV 247. Dowbor fala em dreno de dinheiro pelas instituições financeiras (leia-se bancos). Pesquisando mais em seu excelente e inclusivo site, li esta frase:
“Em nenhum lugar estas conexões entre finanças, desigualdade e pobreza são mais evidentes que na provisão de serviços bancários para os pobres e para famílias em dificuldades financeiras”.
A frase/alarme é atribuída aos estudiosos do Roosevelt Institute, Epstein e Montecino, 2016.
O professor Dowbor tem um martelo que atua constantemente contra o sistema financeiro vigente, difícil de regular e que privilegia a economia improdutiva: “Um sistema que gerou um profundo desnível entre quem contribui produtivamente para a sociedade e quem é remunerado”.
Abusada, peço emprestado um de seus pensamentos para ornar os meus nesta reflexão específica sobre a enxurrada de serviços bancários que, em tese, ajudam os cidadãos comuns, facilitando suas vidas. Como eu, Dowbor diz que prefere as coisas às claras:
“Com os anos, aprendi a importância de prestar atenção aos dados que destoam da minha visão: claramente trata-se de algo que necessita ser checado”.
Mesmo correndo o risco de uma interpretação pouco elogiosa (retrógrada? Reacionária? Antiquada?) eu digo o mesmo. Quero checar, mais lá na frente, o que vai dar esse dreno de dinheiro. Ou não percebemos que toda, absolutamente toda, movimentação que os bancos se dispõem a fazer sem termos pedido, acaba gerando alguns centavos para eles? E de grão em grão…
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.