Quando foi que deixamos as telas tomarem um lugar que não merecem em nossas vidas?
O que eu estou perdendo, o que estou ganhando com este consumo que brota?
É possível vida na Internet sem as redes sociais?
Foi mesmo a Internet que tirou a ludicidade de dentro da escola? Ou a escola já tinha abandonado a ludicidade?
Lá fora a tarde de sábado caía, envolta em nuvens que davam uma cor ainda mais especial ao Parque das Ruínas, em Santa Teresa. No auditório, acontecia uma conversa. De certa forma, até vintage porque, sim, era presencial.
Olhos nos olhos, mentes abertas, não para responder, mas para fazer perguntas. “Telas entre nós, bora coverar?” foi o nome do evento organizado pela Casa Monte Alegre e o Coletivo Pluriverso depois que seus representantes muito debateram e refletiram sobre o tema, que está cada vez mais presente em nosso cotidiano. E não concluíram nada. Apenas aumentou, nos educadores, o desejo de ampliar pensamentos, agregar mais um à conversa.
“Monte Alegre é cuidar. Fizemos questão que este encontro fosse presencial para ter o olho no olho emoldurando o debate sobre como as telas estão afetando nosso dia a dia. Nosso convite é cuidar, ficar atento ao que afeta a cada um, ao que cada um sente. Acreditamos que a educação acontece nesta relação, nesse modo de estar no mundo. Como diz Paulo Freire, a gente educa entre nós”.
Com estas palavras, a educadora e psicomotricista Nuelna Vieira, uma das representantes da Casa Monte Alegre, abriu o diálogo. Para lançar as pílulas que ampliam o modo pensar, foram convidados: Ana Bárbara Jannuzzi, escritora, médica, palestrante, mãe; Alexandre Giannico, sociólogo, mestre em Psicologia do Desenvolvimento Humano e pai; Claudio Barria Mancilla, sócio-fundador da Pluriverso, um espaço de Educonexão, e pai.
Barbara puxou pela complexidade do tema, organicamente. Médica, ela recebe em seu consultório alguns casos de pais que apostam que cinco horas/dia de frente para a tela não é um exagero. Eles afirmam, disse Bárbara, que a criança está bem, seu desenvolvimento dentro do esperado.
“Mas é claro que ela (a criança) está acessando um conteúdo totalmente inadequado para seu desenvolvimento. E mais adiante é que talvez surjam alguns sintomas, como dificuldade de interação, por exemplo”, acrescentou Barbara.
Alexandre Giannico chamou a atenção para a sedução que as telas exercem sobre as crianças e sobre os pais. Há desenhos que vêm com o atributo de “educativo”. Mas é preciso parar, pensar, se perguntar: será mesmo?
“Nossa geração teve o privilégio de aprender brincando presencialmente. Hoje é comum uma tela, e a criança pode começar a achar natural que haja uma tela entre ela e os pais. A questão, e eu friso isto, é a qualidade do tempo que se está junto ao filho ou à filha. O lúdico precisa estar presente neste tempo, é importante”, disse Alexandre.
Mas seja de um jeito, de outro ou de outro, precisamos falar sobre relações. É só entre humanos que os humanos conseguem ser criativos, desenvolvidos, com saúde. “É a partir da relação cotidiana que a gente vai refletir sobre o mundo”, lembrou Claudio Barria. E, queiramos ou não, as telas estão entre nós, fazem parte do nosso cotidiano.
Em nosso país, mais ainda. Somos o segundo, do mundo, que passa mais tempo nas redes sociais, segundo estudo da Comscore. É preciso, portanto, refletir sobre o modo como estamos usando a web. Claudio afirma que não foi a internet que nos pôs na crise civilizacional que vivemos no momento.
“A tecnologia tem um lado potência. Mas pesquisas mostram que 80% dos internautas brasileiros acham que Instagram e Facebook são as únicas ferramentas disponíveis. Mas existem 400 bilhões de outras. É possível ter vida na Internet sem redes sociais. Precisamos ter uma relação crítica com a web, produzir pensamento crítico”, enfatizou Claudio.
Sim, é preciso refletir. O que estamos consumindo na web? Qual a qualidade?
“Em casa temos muito cuidado com isto, fazemos avaliação rigorosa do conteúdo daquilo que estamos consumindo. E criamos zonas livres de celulares, além de horários. Na hora da refeição, ninguém fala ao celular, por exemplo”, disse Alexandre.
E como conversa boa é conversa que se expande, a plateia também foi convidada para a roda. Compartilharam-se dicas sobre o melhor uso da web. Boas lembranças vieram à tona, do tempo em que as crianças não tinham telas. E surgiu pensamento crítico:
“Estamos num momento ótimo, de crise pesada, não temos muito tempo, está na hora de parar e pensar em outros paradigmas. Repensar nossa relação com as telas demanda que se dê um passo para o lado. É só deixar duas crianças soltas que elas vão sair brincando. Não se ensina a brincar. A gente cuida da relação”, disse Claudio.
Ficou um tremendo gosto de quero mais.
Queremos mais pensamentos críticos, rodas de conversa, olho no olho, abraços. Queremos criar, pois é o que nos move a estarmos juntos em grandes cidades.
Queremos cuidar das relações e lembrar que somos humanos, que nossa capacidade de resistir é forte.
“A Cultura Brincante é um antídoto à crise. E temos essa Cultura aqui no Brasil”, lembrou Claudio.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.