Conversa entre mães e pais: a adaptação
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Convidamos pais e mães para uma conversa sobre o período de adaptação dos filhos na creche escola. No papo entendemos que a adaptação inclui não só as crianças, mas responsáveis e educadores de modo constante. Confira a prosa que o pai veterano Rodrigo (R), e as mães recém chegadas Ângela (A) e Mayra (M) tiveram com a Ana, também mãe nova na Monte Alegre, além de editora da Entrenós. 

Por Ana Lobo

 No vídeo algo dessa prosa que transcrevemos ampliada nesta matéria.

Ana Lobo (AL) Primeiro eu gostaria que você me contasse um pouco sobre você e sobre sua relação com a Monte Alegre

(R) Meu nome é Rodrigo, eu tenho três filhos e todos os três estudaram aqui. A mais velha acabou de fazer dezoito anos, e ela entrou aqui em uma outra época. A direção era outra, mas a proposta se manteve a mesma. Continua sendo essa  casa que abraça as crianças. Agora eu tenho mais dois filhos, um tem seis anos e saiu esse ano da Monte Alegre e outra que tem três anos, que é a Mel. A Letícia, mais velha, entrou aos dois anos de idade e os outros dois com seis meses. Eu trabalho, minha esposa trabalha também,  a gente teve a necessidade de ter as crianças na creche. Pensamos que foi tão legal com a Letícia em termos de aprendizado, que valia a pena colocar os outros dois. Acreditamos muito nesse modelo de escola, aqui temos a confiança e a certeza de aprendizado. A gente sabe que a rotina com criança, mesmo quando se tem alguém que fique em casa, é muito dura, né?

(AL) A convivência com outras crianças também é importante né?!

(R) A convivência não só com outras crianças, mas também com educadores, que pensam em projetos e o legal,  que esses projetos na Monte Alegre são criados em conjunto com as próprias crianças, então tem aí uma construção do conhecimento que você vê, desde as coisas mais simples do dia até as mais rebuscadas. 

Durante a adaptação a gente tinha a segurança de que eles seriam muito bem tratados,que é a grande preocupação dos pais. E a escolha foi por um  modelo pedagógico que a gente acredita 

(AL) E durante o período de adaptação quais foram as dificuldades? Foram três experiências distintas, ne?

(R) Todos tiveram facilidade de adaptação, acho que a escola é muito carinhosa nesse ponto. Existe um respeito ao tempo da criança. A gente acaba fazendo muitas amizades aqui, os pais, os filhos, vivem essa adaptação juntos. É a criança se adaptando à escola e a escola se adaptando à criança. A Monte Alegre respeita muito esse tempo. 

(AL) E você acompanhou seus filhos nas primeiras semanas? 

(R) Sim , eu ficava duas horinhas, escondido para a criança ficar brincando sem interferência. Depois a gente aparecia, porque senão vinha o choro. Acho que tem uma adaptação aqui que acompanha as  fases das crianças. Quando os bebês vem muito pequenos, fica muito mais fácil, porque eles não têm muita noção ainda, né? Quando tem um pouco mais idade a fase de despedida é mais difícil. A hora do choro é mais difícil, mas logo depois a criança está correndo, está brincando e você já foi embora. Nesse caso são os pais quem têm que se adaptar. O legal é você respeitar todos esses momentos e o seu . 

(AL) Nessas experiências que você viveu com seus filhos, tem alguma que foi mais complicada ?

(R) Não. O Caio estava aqui quando a Mel entrou e foi muito simples. Cada um veio pra creche com seis, sete meses de idade. Nessa fase o mais difícil é a amamentação. Os dois amamentaram até dois anos de idade, então tinha a questão da amamentação, de ter que trazer o leite. A mãe vinha buscar na saída para amamentar. E a distância da mãe acaba somando na questão da amamentação.  

Ao mesmo tempo acontecia a introdução alimentar, o que fez com que a fase tivesse picos de adaptações. As crianças saem da alimentação exclusiva no peito, e começam a comer outras coisas. Nesse ponto a escola foi muito parceria. Acompanhou o ritmo da família. Por isso o flow seguiu e não foi doído pra gente . 

Logo depois, com as crianças mais habituadas, cada uma acabou escolhendo uma educadora como referência, quase como uma relação materna. 

(AL) A Teresa, minha filha, também frequenta a creche e quando ela estava no período de adaptação o que veio por parte das educadoras foi justamente a importância de se despedir. Elas sempre diziam ou davam a entender o “como é importante se despedir da sua filha antes de ir embora”. Nessa experiência de adaptação teve alguma experiência que vocês aprenderam com as educadoras?

(R) Como o Caio, que é uma criança mais coraçãozão, em que as despedidas eram mais duras, era sempre assim, de dar quinze abraços antes de partir. E as educadoras que estavam ali conseguiam chamar a atenção dele para outras coisas legais e tudo fluía bem. Eu já tinha tido essa experiência com a Letícia, que também é uma pessoa mais grudada, e sempre vinha uma educadora com a qual ela tinha mais afinidade para buscá-la e esse carinho ajuda. E de aprendizado é a observação e o respeito ao tempo mesmo. Esse acompanhamento que individualiza o método é legal, faz diferença. 

(AL) Você acha que deixar os filhos mais cedo ou mais tarde na creche influência na adaptação?

(R) Eu não tive muito escolha, pra te falar a verdade. Se eu pudesse escolher acho que eu escolheria fazer isso num período mais tranquilo, depois da transição alimentar talvez. 

Teresa, minha filha chegou na Creche e veio me dar um abraço. 

(AL) Só pra finalizar, existe uma dica que você possa dar enquanto pai veterano?

(R) Acho que adaptação é algo muito pessoal, tanto por parte das crianças quanto por parte dos pais. Às vezes a adaptação é mais dura para os pais do que para as crianças e isso às vezes machuca a gente. Principalmente para as mães que têm uma relação muito única com os filhos, por causa da amamentação, etc. Quando o filho começa a dar indícios de que vai pro mundo acho que é um momento em que a mãe se questiona. Por mais que ela descanse da rotina pesada do dia a dia com a criança, sempre bate aquela falta inicial e nesse sentido a adaptação pede muito dos pais e dos filhos. Acho que o mais importante é fazer com carinho, com calma, respeitando o tempo da criança. E isso pode demorar dois dias ou um mês, você tem que se acostumar com isso. O tempo é de cada um mesmo, e o mais importante é conseguir que isso seja natural. A criança se adapta o tempo todo, tem o desfralde e outras questões. E outra, cada ser humano é de uma maneira.  

Eu tenho três crianças em casa com perfis muito diferentes. Tem a Mel que já entra desde pequenininha sem olhar para trás aqui na Monte Alegre, tem o Caio que ama esse colégio demais, mas sempre chora, deseja bom trabalho com cinquenta beijos.  Cada ser humano é de uma maneira, a adaptação não diz respeito só às crianças…

(AL) É um trabalho é coletivo

(R) O colégio faz esse trabalho de transição. 

(AL) E você Ângela, como está sendo a adaptação do seu filho? Conta pra mim um pouco sobre vocês e sobre esse período de adaptação. 

(A) Então, eu tenho quarenta anos sou bióloga e cientista e fiquei sem trabalho, assim que eu voltei da licença maternidade, o que acontece com 50 % das mulheres…  Até então não voltei a trabalhar, porque está muito difícil com a situação. Com o Raul na creche vou apostar em uma tentativa de retomar minha vida profissional. O Raul tem dois anos e meio. Eu segurei um tempo porque estava bom pra mim mesmo, e porque como eu tenho 40 anos eu gostaria de viver essa experiência o máximo que eu pudesse. 

(AL) E você ficava com ele full time?    

(A) O tempo inteiro, mas meu companheiro faz home office, ele é músico então a gente divide bastante essa função. Eu achei que dava pra gente viver essa experiência ainda mais tempo, o que é maravilhoso, porque estava bom e estava tranquilo até então. A criança vai crescendo e vai demandando coisas que a gente não consegue mais oferecer. Então chegou um momento que a gente falou “não, agora já está bom”. O Raul mama até hoje, e por enquanto não pretendo encerrar a amamentação. Vou deixar ele mamar por mais tempo, não é uma coisa que me incomoda nem me atrapalha. Está tudo bem. Enquanto tiver bom pra mim a gente vai levando. 

(AL) E tem quanto tempo que vocês estão em período de adaptação aqui na Monte Alegre? 

(A) Começamos na semana passada, e a gente estava tenso, porque ele nunca ficou com outras pessoas a não ser com a avó, e mesmo assim ficou com a avó durante pouco tempo. E a gente achava que ia ser uma quebra ir pra creche, e não foi. Na verdade foi super tranquilo e a gente voltou pra casa, assim, “poxa, a gente escolheu a hora certa pra fazer”. Parecia que ele estava pronto para ir. Aí, ontem já começou um estranhamento, do tipo: “Não quero mais ficar, não quero ir, quero ficar com vocês”. E agora a gente já botou a vida no trilho! Já estamos com uma outra rotina, estamos vivendo outras coisas e não tem como dar mais essa chance pra ele. 

(AL) E ele está justamente nessa idade em que a criança já entende o que está acontecendo, né?

(A) Em uma idade mais fácil, eu diria. Sim, ele já fala, mas ao mesmo tempo ele tem essa compreensão que está sendo construída… mas eu sei que ele não está sofrendo. O pior é que se ele está em casa ele quer estar aqui. Não é uma coisa tão certa de um entendimento, não é algo tão claro pra ele. 

(AL) É uma nova situação na vida dele, né?

(A) No mundo perfeito dele, ele queria que nós estivéssemos aqui, ele não queria estar em casa, ele queria estar aqui com a gente.  

(AL) De certa forma, esse também é o mundo perfeito da Escola, fazer com que os pais estejam sempre integrados na comunidade educativa. 

(A) Como uma extensão da nossa casa de repente, né?

Eu estou muito feliz, com esse momento agora, com esse momento que a gente escolheu pra gente. 

(AL) O tempo pra você, que é mãe, é muito precioso, não é? Quando a gente tem um filho a gente se liga na importância do tempo livre também. 

(M) Em uma semana eu já vi que isso faz toda a diferença, eu já consegui mover minha vida em uma semana apenas. Felipe ainda está saindo antes do horário e tal, mas mesmo assim eu consigo fazer coisas inacreditáveis.

(AL) Aproveitando a deixa, se apresenta por favor

(M) Sou Mayra, tenho trinta e um anos, sou administradora. |Estava fazendo um mestrado em finanças na UFRN, em Natal, e daí eu fiquei grávida. Eu já conclui todas as disciplinas e tudo mais, mas não conclui o mestrado. Vou retomar agora e terminar a dissertação. O Niko está com 18 meses, e no final do ano eu comecei a procurar trabalho e consegui um. Eu já ia colocar ele na creche de qualquer forma, como você, né? (aponta para Ângela), pra tentar correr atrás. Mas é isso, a gente precisa de tempo pra isso. 

(AL)  Mas você estava em Natal e veio pra cá com ele?

(M) Não, eu me mudei antes dele nascer, voltei para o Rio e foi um pouco de sorte, porque como eu estava namorando a distância eu pensei que fosse interessante puxar todas as disciplinas do mestrado para no segundo ano morar no Rio. Eu ia voltar de qualquer forma, porque veio o Niko, mas eu tive essa sorte. Deu certo!

 E é isso, tive o Niko, meu parto foi muito bom.  Eu estava instável financeiramente, no mestrado, você ganha bolsa de R$ 1.500, poxa, é bom, mas você não consegue se mover muito. E ai eu resolvi parir no Hospital Maria Amélia, porque decidimos ter essa responsabilidade, dentro das nossas possibilidades, sem ter apadrinhamento de avô e avó.  Respeito quem tem, mas a gente decidiu fazer com as nossas pernas.

Eu queria muito ter um parto natural, um parto normal, mas sem a opção de pagar uma médica super cara. E no Maria Amélia eu não tive nenhuma intervenção, ele nasceu super bem, foi incrível.

Desde que o Niko nasceu eu não tenho do que reclamar, mas realmente essa falta de tempo pra gente é significativa. É muito complicada. Eu já queria colocar ele na creche de qualquer forma, mesmo sem conseguir trabalho, mas aí ficou meio certo, eu consegui trabalho no mesmo período que eu consegui colocar ele na creche. Eu sou autônoma agora, sem carteira assinada nem nada, mas foi ótimo pra mim e a adaptação do Niko.

 No ano passado eu coloquei ele em outra creche, um pouco mais distante de casa, no Jardim Botânico, mas de cara eu já vi que pela distância não ia dar certo. Mas fizemos. Eu havia visitado a Monte Alegre em dezembro, já sabia que ele ia mudar de creche, mas segui com a adaptação lá para fechar o ano, né? Foram 45 dias. Foi muito difícil, não sei se só pra mim, acho que pra ele também. Porque a gente acaba sendo a extensão um do outro. 

(AL) E você também ficava com ele o tempo todo?

(M) Nunca tive babá, ele mama até hoje, nunca tomou mamadeira nem nada e quando ele foi pra essa creche, eu não conseguia sair, eu fiquei lá os 45 dias. Eu não sei se foi por minha culpa, ou culpa dele, ou de ambos. Então eu falei, “bora”, vamos agora para a Monte Alegre. Daí eu conversei com as meninas e expliquei a situação e elas disseram, vamos lá, vamos montar uma estratégia, porque isso tem que dar certo. E aí está sendo muito bom. A primeira semana foi mais difícil. 

(AL) Ele chorava?

(M) Sim, ele chorava, mas ele chora até hoje. Eu deixei ele hoje e ele chorou, mas logo em seguida sai andando com a Camila e logo em seguida o Niko parou. Acho que foi no quarto ou no quinto dia, estávamos em uma aula de música e ele adora música, e antes ele ficava só no meu colo. E em uma aula de música ele começou a se interessar, e a Camila disse, vem! E em seguida falou “Sai dai”. Ai eu sai e ele não chorou. Eu fui ao banheiro nesse meio tempo, quando eu saí do banheiro ele já tinha parado de chorar. Eu me dei conta que ele tomou coragem e foi.  

E está sendo muito bom, eu estou feliz, e eu sou muito apegada a ele, sabe? Tenho um defeito, porque eu sou muito controladora. Eu quero saber de tudo, o que ele está comendo, o que ele fez. 

(AL) E a amamentação é uma questão mesmo. Fez falta deixar de dar de mamar nesse período que eles estão sem vocês ?

(A) Com o Raul não tive problemas, porque ele tem dois anos e meio e como é livre demanda não teve nada disso. Ele mama por afeto, não é mais para se alimentar.

(AL) Mas quando você chega ele demonstra que sentiu sua falta, te procura para mamar?

(A) Não 

(AL) Na Minha adaptação e da Teresa essa foi uma questão. Sempre que eu chegava ela me procurava pra mamar, mesmo já comendo de tudo. Teresa parecia querer aquele carinho…

(M) Com o Niko também, por exemplo antes de ontem ele estava no trocador e ele já veio pedindo mamá mamá mamá!!! Ontem ele passou o dia todo sem me ver, depois da creche ele foi para casa dos avôs porque eu tive que trabalhar até tarde. Chegou em casa ele já logo pediu o mamar. Mas acho que é mais pelo afeto mesmo. As vezes eu sinto que ele não consegue ficar muito tempo no colo se eu não estiver dando de mamar, sabe? Às vezes ele nem fica mamando, mas se está no peito já é ótimo. 

(AL) De todas as adaptações acho que essa foi pra mim a mais difícil, parar de dar de mamar. Vocês não passaram por isso ainda, mas essa foi pra mim a mais difícil. E eu queria amamentar até 2, 3 anos mas eu nao consegui

(M) É  porque é muito pesado mesmo, né?

(AL) Nem foi por trabalho, mas porque ela estava me ferindo muito com os dentinhos e eu decidi parar. Não estava legal pra mim 

(A) É, o Raul ontem meio sentido e me mastigou. Sempre ele mostra que precisa de mim através disso. Daí eu paro e falo, “então não vai ter mais”. e ele entende, para, vira para o lado e dorme.

(AL) É importante conversar, fazer com que eles entendam o que está acontecendo. E nessa adaptação, como vocês se entenderam com seus filhos, o que vocês fizeram para que eles se sentissem à vontade em estar na creche? 

(A)  No primeiro dia o Raul já chegou aqui super tranquilo e voltou dizendo “a minha escola”, “a rua da minha escola”. Então, assim, ele quem escolheu a escola. Eu já acompanhava a Monte Alegre a um tempo, tinha umas conhecidas na pracinha que tinham filho aqui…  enfim, eu como educadora, levando em consideração minha formação acadêmica e minha experiência em escolas, achei que fosse legal. Para mim a educação é muito importante e a escola pode ser amor e ódio. Você pode fazer com que a criança sinta ódio da escola. Daí a criança carrega isso para o resto da vida.  Nesse momento do Raul a escola tem que ser brincar. Ele tem que interagir. E a escola não tem que ser uma sala trancada que é mais ou menos o modelo de quase todas as creches. Como você bota uma criança de dois anos dentro de uma sala fechada? Falta isso de ser uma extensão da sua casa, isso aqui é uma casa, e o Raul se sente nela.

(AL) E aqui tem aqueles projetos na rua também, e isso é muito legal. 

(A) Sim, muito legal. E esse é o diferencial

(M) Sem dúvidas!

(A) O diferencial é não ser só as pessoas, mas de ser um projeto que inclui a casa, as pessoas, um espaço, o jeito de estar no mundo. É diferente dessa coisa quadrada de entender que a escola é um depósito de crianças. Pro Raul estar aqui é uma escolha. 

(AL) Maravilhoso, muito obrigada pela entrevista. Na partilha a gente se reconhece e cresce. Vamos que vamos!


Fotografia, captação e edição de vídeo: Fernando, pai no Nino

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