Circo Social, fenômeno em movimento
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Aconteceu no século passado, tão logo soaram os últimos acordes dostristes tempos em que o país esteve sob uma ditadura militar, quandoa mordaça começou a ser afrouxada e as pessoas sentiram novamente o tom, o sabor da liberdade de viver. Foi então que os movimentos sociais, que se formavam em guetos, às escuras, porque era proibido se mostrar e ser, lançaram-se às claras, sob o sol, sentindo na pele o vento e respeitando as cores, as diferenças, costurando e bordando novamente o tecido social para recriar o sentido de ser livre. Não à toa, o período em que mais houve criação de ONGs foi nessa época, fim dos anos 1980, início dos anos 1990.

Meninos em situação de rua em atividades de Circo social década de
1990. Se Essa Rua Fosse Minha. Rio de Janeiro
Meninos em situação de rua em atividades de Circo social década de
1990. Se Essa Rua Fosse Minha. Rio de Janeiro

Felizmente é desse tempo feliz que vamos falar. Porque naquele caldeirão de cultura, arte, debates sobre políticas públicas, educação,saúde… foi ali que surgiu também o Circo Social, nosso tema de hoje, ainda não muito conhecido. “O Circo Social sonha com um mundo diferente, integrado e solidário, que se aceite como ele é: o lugar de todos – redondo, itinerante e a céu aberto”, diz o texto de apresentação do site da Rede Circo do Mundo Brasil.

A ideia aqui é descobrir, com a ajuda do arte educador, músico e pesquisador chileno Claudio Barría Mancilla, membro do coletivo Pluriverso, um pouco da história deste fenômeno social de tanta importância para a cultura do país. Centenas de organizações, nas cinco regiões do Brasil, trabalham com o conceito de Circo Social, servindo como trampolim para a cidadania de milhares de crianças e jovens.

“A potência simbólica do circo como espaço de libertação é enorme, mas não como ferramenta para a assistência, é enorme para a educação das pessoas. Trata-se de um conceito epistêmico, de educação pela arte. Não é ensinar a fazer circo. É como, através da arte, as pessoas conseguem ensinar a sermos melhores humanos e sermos parte de tudo que somos parte”, disse Barría na palestra para o Curso CirFormando, de Educadores de Circo Social da Escola Pernambucana de Circo (EPC).

Crianças e jovens na Trupe de Circo Social do SER, Rio de Janeiro, 2005.

Barría prefere não situar uma data para o surgimento do Circo Social. É certo, porém que foi ali, exatamente no caldeirão de liberdade do período pós-ditadura, que surgiu o espaço “onde o ético e o estético não se dissociam”, onde “histórias se consolidam como uma ação coletiva que se estrutura”.

“E podemos dizer que nasceu uma coisa nova. É essa concepção que nos interessa”, disse ele.

Lembrando o vasto e complexo conceito de campo, criado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu ( 1930-2002) – que define conceitos,categorias, protocolo de ações, um tecido social que nos une e que produz suas verdades simbólicas – Barría se propõe a fugir da “ideia pesada de achar o pai da criança, a data de nascimento, o dono”. Circo Social está em movimento. É uma forma de se misturar o circo com a ética, com o compromisso de transformação social.

Outro autor citado por Barría é Paulo Freire, mestre da educação popular, aquele que fez questão de dizer: “Professor que não aprende, não ensina”. Pois é essa também, a educação popular, uma das fontes mais ricas que ajudam a entender o surgimento do Circo Social.

“Eu entendo o Circo Social como uma espécie de software livre, que tem uma base, uma estrutura, mas cada um pega e lança sua própria distribuição. Para uns, o afluente “assistência social” foi mais forte, e essas pessoas vêm a parte circense como técnica. Para outros, a educação popular foi o fator mais potente, e esses formam os circos sociais mais críticos, pensativos. Tem ainda aqueles para quem fica difícil diferenciar o Circo Social de uma escola de circo. Sempre tem alguém que diz que Circo Social é para pobres, o que é uma ignorância. O circo sempre foi lugar do outro, do negado, do não aceito socialmente. E essa é uma das potências pedagógicas que deu origem ao Circo Social”, disse Barría.

Fato é que cada organização trabalha com sua própria trajetória. O Circo Social é potente, por isso é um instrumento para trabalhar com crianças em situação de rua, crianças que moram em favelas, mas não é uma metodologia assistencial. O que ele faz é cumprir um papel deixado vazio pelas metodologias da educação tradicional.

Adoráveis malandros, espetáculo de jovens do Circo Social 2014 (foto: Walter Mesquita).

“O Circo Social não é uma metodologia, é uma concepção epistêmica de processos de ensino-aprendizagem para a construção de cidadania, e cabe aos atores envolvidos definir o que é cidadania. Nãohá valores estanques, há valores em construção”, completa Barría emsua reflexão de percepção da análise do processo histórico de construção do Circo Social.

Assista a palestra no vídeo


Fotos: Arquivo Se Essa Rua Fosse Minha e Walter Mesquita.

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