Seguimos para a segunda correspondência da série “Cartas ao Vento” que acontece durante a quarentena como uma forma calorosa de despertar nossa sensibilidade. Por Tátia Rangel
volto para a solidão – esses muros que me envolvem – deles desejo fugir com
força, mas sem eles não sei qual o meu contorno. decido não mais deles fugir, quero para eles olhar, e para além deles enxergar. não há espaço-tempo para debater-me em palavras queixosas que alimentam um melodrama. não há drama. é trágico.
há dor mesmo, marcas e feridas, há muita coisa que não precisamos nomear,e para além de tudo que há, há mais ainda … nem o sabemos delimitar
salvo os muros que por garantia lá sempre estão.
certa vez aprendi que para ter liberdade é necessário aprender a ter limite, serão os muros um modo de limite?! perguntas que não precisam de respostas, apenas nos movem para a potência que há.
potência.
ouvi uma frase da Lou Salomé, algo parecido com: “Se você quer uma vida: roube-a”. estou declaradamente a tornar-me ladra, não de qualquer roubo, não de qualquer coisa, mas quero roubar os muros que me distanciam da vida – dou-me conta que eles sempre lá estarão, mas sou a repetição da crença que eles lá não mais estarão, logo, sou prisioneira da imaginação que não me permite tal transgressão.
é preciso romper. é preciso ir mais longe. um além mar das memórias …
me despeço com esse trecho que me faz companhia:
“porque, na realidade, nada me desiludiu mas, nos impasses da minha impotência, gastei, sobretudo, demasiado tempo. É de madrugada, razão por que estou a escrever. Tendo conhecido tantos seres, já tinha sede de escolher os seus, no regresso da sua peregrinação a esta casa. O que aprendi é que não há seres absolutos, e que o mundo é contido pelos muros que nos esperam.”
(Maria Gabriela Llansol – um falcão no punho)
maio/2020.
Imagem: Nuelna Vieira