Um amigo meu está rodando o mundo com a parceira e causando em mim ora inveja, ora alívio por não ser eu a enfrentar os desafios que uma viagem dessas pode trazer. Mas provoca também reflexões. Uma delas compartilho com vocês, na esteira do término da Conferência das Partes 28, que acabou em 13 de dezembro, em Dubai.
Primeiro, vou contar um pouco sobre o que ficou decidido no texto final da Conferência, conseguido, como sempre, a duras penas pelos 193 países que se sentam anualmente, convocados pela ONU, para debater sobre o clima. Em poucas palavras: foi um passo à frente na direção de se tentar conter o aquecimento global com a transição energética.
Mas um passo não é um salto, como bem disse Andrew Deutz, Diretor Geral de Política Global e Financiamento para a Conservação na The Nature Conservancy.
Em linhas gerais, o documento acordado entre as partes traz uma linha ligeiramente nova, falando muito mais em adaptação do que em mitigação dos impactos causados pelos humanos ao meio ambiente. Adaptação se traduz, por exemplo, no plano que a Prefeitura do Rio está anunciando, de arborizar parques na Zona Norte do Rio. Isto é tentar oferecer bem estar aos moradores no enfrentamento das ondas de calor que vão ser mais intensas e seguidas.
Um momento considerado significativo para os ambientalistas é que, no documento final, os países presentes na cimeira decidiram que é preciso abandonar os combustíveis fósseis. Vocês, caros leitores, podem estar pensando que isto é apenas uma bobagem, uma promessa boba. Mas esta decisão nunca tinha sido conseguida numa Conferência do Clima, daí a comemoração.
O que não ficou decidido foi como se dará esta mudança total de consumo. Nem em quanto tempo isto deve acontecer. De qualquer maneira, finalmente se conseguiu ter em documento aquilo que os cientistas vêm afirmando, no mímino desde 1988, ano da criação do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC na sigla em inglês): as atividades humanas causam o aquecimento global com o excesso do uso de combustíveis fósseis.
E é preciso mudar isto. Mas… como?
É claro que há inúmeras sugestões sobre a maneira como isto deve acontecer. Leio muito a respeito e tirei uma conclusão sobre o melhor (e mais difícil, devo confessar) caminho: ouvir os povos originários, que não têm assento na reunião decisória da Conferência.
É preciso olhar para a natureza como parte do homem, diz Stefano Mancuso, escritor e botânico italiano, que tem uma série de livros em que prova, com algumas evidências, que as plantas não sentem, mas pensam. O problema que estamos enfrentando hoje começou a ser criado justamente quando o homem passou a se ver como um ser superior a todos os outros seres vivos do planeta. Ampliou seus territórios com máquinas e, assim, eliminou tudo o que tinha à sua frente e servia como um ‘entrave ao seu desenvolvimento’.
A conclusão é tão óbvia quanto parece. Segundo o MapBiomas, os povos indígenas perderam menos de 1% de sua área de vegetação nativa nos últimos 38 anos. Nas áreas privadas, a perda foi de 17%.
Portanto, se alguém pode ensinar como preservar, por óbvio, são os povos indígenas. Como diz Aylton Krenak, o primeiro xamã a ocupar uma cadeira na Associação Brasileira de Letras, as populações indígenas fazem um serviço ambiental melhor do que as unidades de conservação, que precisam manter todo um esquema de fiscalização. As Tis preservam o meio ambiente de graça.
Muito mais foi discutido na COP, algumas novidades surgiram dos debates, entre elas a inclusão da expressão “sistemas alimentares resilientes” no parágrafo sobre adaptação. Para mim, o importante é que, pelo menos aqui no Brasil, a questão sobre os eventos extremos causados pelas mudanças climáticas está, finalmente, mexendo com a opinião pública. Tudo bem que o tema veio à baila por conta dessas ondas de calor que estão nos vitimizando, mas não importa.
Fato é que ontem (17) foi divulgada uma pesquisa pelo Instituto Datafolha, com dados que mostram que 78% dos brasileiros entendem que as atividades humanas contribuem para o aquecimento global. É um bom caminho para se chegar à necessária mudança de hábitos de consumo.
E aqui eu volto à história do meu amigo viajante e às reflexões que seus relatos têm me propiciado. Eles estão na Islândia, onde no verão a temperatura média varia entre 10 e 14 graus. Lá, praticamente só tem verão (de junho a setembro) e inverno (o resto do tempo).
No inverno, às 15h já é noite. Deve ser uma luta, por exemplo, para secar uma roupa ou se manter aquecido. A fonte de energia usada na maior parte do país é a geotérmica, obtida a partir do aproveitamento do calor proveniente do interior da Terra que vai ser transformado em eletricidade. Um processo caro e muito barulhento.
Com tudo isso, a pergunta que fica é: será que os habitantes da Islândia temem as mudanças do clima? Ou, muito antes pelo contrário, estão torcendo para que lhes sejam concedidos dias mais quentes?
O país tem um mega dispositivo tecnológico que se destina a sequestrar carbono e faz parte do “Umbrella Group”. Este grupo de onze países (incluindo aí os Estados Unidos e Israel) posicionou-se contrário ao fato de o texto final da COP28 não ter cravado o fim dos combustíveis fósseis, sem mencionar a necessidade de um calendário para isto.
Mas, volto à questão: será que a população da Islândia, país com um regime parlamentarista, está interessada em conter o aquecimento? A resposta pode ser sim, considerando que é um país insular e que, como todos os países insulares, está sob risco de sumir sob as águas por causa do aumento dos oceanos. Tempos difíceis esses que estamos vivendo, não?
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.