Boas e más notícias de fim de ano

Longe de mim vestir o manto do otimismo a qualquer custo, como muitos fazem nesse período de festas natalinas. “Foi um ano difícil, mas será melhor em 22”, é o que dizem. Pode ser. Mas, como não há prova cabal de que tal afirmação seja verdadeira, prefiro caminhar com os dois pés no chão. Se está difícil, não será uma simples passagem de uma noite para o dia que vai fazer melhorar as coisas, torná-las mais fáceis.

Escada rolante numa estação de Metrô em Seul – Foto de Getty Image

De qualquer maneira, sempre é possível buscar boas notícias para abrandar um pouco a carga, e foi o que fiz. No entanto, talvez atestando a percepção de que os tempos não estão mesmo fáceis, tão logo comecei a pesquisar para ampliar os dados sobre a boa notícia, deparei-me com um problemão ligado a ela.

 Sem mais delongas, deixe-me explicar sobre o que estou falando.

A boa notícia é que a capital da Coreia do Sul, Seul, está se preparando para oferecer a seus 9,7 milhões de habitantes um empreendimento chamado “Cidade de 10 minutos”. Resumindo, trata-se de um bairro, com cerca de oito prédios, onde cada morador viverá a cerca de dez minutos, a pé, de todas as suas necessidades diárias. Incluindo escolas, hospitais, farmácias, prédios públicos. Serão cerca de 500 mil metros quadrados nos quais os carros serão proibidos, a energia será gerada ali mesmo e a água da chuva será guardada para ser reusada.

A ideia original é da atual prefeita de Paris, Anne Hidalgo, que venceu as eleições prometendo à cidade francesa uma “Cidade de 15 minutos”. Melbourne, Milão e Singapura também estão tentando abordagens semelhantes.

Nem é necessário listar os benefícios do projeto. Menos poluição, mais praticidade e bem-estar para os moradores são apenas alguns.

Mas, como avisei logo no início do texto, o prefeito atual de Seul, Oh Se-hoon, vai enfrentar um mega revés. Trata-se de desigualdade social, esta realidade infame que derrota os ares de modernidade da atual civilização. Em alguns lugares do planeta ainda se vive sob privações seculares, enquanto em outros há riqueza abundante. E, mesmo na pandemia, os ricos ficaram mais ricos e os pobres ficaram mais pobres.

Enquanto buscava informações sobre Seul para ilustrar este texto que seria, apenas, otimista, cheguei ao mais novo relatório sobre desigualdade social, produzido pela equipe do World Inequality Lab, de Thomas Piketty e sócios, divulgado no início de dezembro. Abandonei o otimismo, em prol de informação real.  O estudo é detalhado, cheio de informações, tanto que não se pode elencar um único assunto que seja mais importante, sem cair no risco de desprezar outros. Ou, o que é pior, de não dar atenção a dados que merecem nosso alerta.

 Mesmo assim, vou tentar resumir: segundo o relatório, Índia é um dos países mais desiguais do mundo, mas a desigualdade de riqueza do Brasil também está entre as maiores do mundo. Há ainda a constatação oficial do que já se sabe: a pandemia apenas acirrou a desigualdade. E uma informação bem preocupante: a totalidade das riquezas do mundo está em mãos privadas e não de governos. A pandemia acirrou essa tendência porque os governos tiveram que pedir emprestado a empresas.

Dois economistas que ganharam o Prêmio Nobel em 2019 encabeçam a apresentação do relatório: o indiano estadunidense Abhijit Vinayak Banerjee e sua esposa, a francesa Esther Duflo. Uma nota surpreendente é que as mulheres agora estão mais bem representadas em algumas economias emergentes – Brasil, por exemplo – do que em economias avançadas – Estados Unidos.

Uma conclusão contundente dos pesquisadores é que a desigualdade e sua redução não são uma questão de limitações econômicas, e sim uma escolha política sobre o tipo de sociedade onde queremos viver. Quem tiver curiosidade, pode acessar aqui: https://wir2022.wid.world/.

Volto, assim, ao tema principal deste artigo. Em Seul, a escolha de um empreendimento que pode significar um bem-estar maior a seus moradores tem a outra face, de negligenciar bairros periféricos pobres da cidade. A cidade é a quarta maior economia do mundo, atrás apenas de Tóquio, Nova York e Los Angeles. Foi escolhida como sede das maiores empresas globais, o que colabora para que o nível de desemprego seja baixo, em torno de 3%. No entanto, registra aumento de desigualdade nos últimos trinta anos, quando a classe média e os trabalhadores têm se excluído, mais e mais, da riqueza nacional.

O filme “Parasita”, de Bong Joon Ho, ganhador do Oscar em 2019, é uma produção sul-coreana e retrata a diferença entre pobres e ricos, que não é pequena. “Parasita” nos apresenta os banjihas, espécies de apartamentos semissubterrâneos onde quase não há luz do dia, com tetos baixos, construídos durante a guerra entre as Coreias para servir de abrigo em caso de necessidade. Hoje servem como moradia para milhares de jovens que tentam se incluir na sociedade do futuro.

Construir uma cidade de “Dez Minutos” num território que tem questões sérias de moradia é, de fato, uma escolha política. Errada. É preciso, antes, empregar todos os investimentos possíveis para conseguir garantir que os cidadãos comuns sejam incluídos no processo de bem-estar. Só assim é possível chamar o empreendimento de sustentável.

Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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