Afeto em tempos de reclusão
corona

Em tempos de Corona Vírus, como pensar a Psicomotricidade? Essa questão tem trazido muitas reflexões sobre a qualidade das relações humanas, o que de fato adoece as pessoas e o que as cura.

Por Katia Bizzo Schaefer


Acreditamos na potência dos bons afetos, principalmente oriundos dos bons encontros (presenciais!!!!). O beijo, o toque, o abraço apertado… E, de repente…. Dizem para não beijar, não abraçar, não tocar… Em nome da saúde!!!!
Somos bombardeados por notícias, mensagens e direcionamentos que nos levam a um isolamento em nossos lares.

“Isolamento em nossos lares” já me preocupa. O que fizemos de nossos lares para nos sentirmos isolados neles? Essa é a primeira questão… Quais as relações humanas que cultivamos em nossos lares conosco, com nossos familiares e com o ambiente que nos acolhe?

Essa é a primeira questão para se pensar. Conseguimos conviver bem em nossa própria casa? Conseguimos dar tempo para nossos silêncios e, assim, entrarmos em contato com nosso próprio ser? Conseguimos parar para escutar, olhar e conviver com nossa própria família? Esse já é um desafio para muitos e, por esse ponto de vista, que bom que teremos essa oportunidade!

Mas sabemos que também precisamos de mais bons encontros, com amigos, parceiros, com o sol, com o ar puro!! Precisamos de boa música, de rir, de abraçar e chorar, de ouvir histórias de outras vidas e nos afetarmos com elas. Precisamos também afetar amorosamente outros seres e ambientes, para além de nossos lares. Isso é potência! É saúde!! É vida!!!!!! É possível abrir mão dessas relações? Mas como mantê-las em tempo de Corona Vírus?

A humanidade está levando um puxão de orelhas (de luvas!)! Nossos bons afetos ficaram de castigo!! Então precisamos imediatamente usar esse tempo de reclusão para pensar no valor do que estamos perdendo, mesmo que temporariamente.
Talvez precisemos dessa pausa para rever os valores que estão em alta em nossa sociedade.
Esse é o segundo desafio.

Um terceiro desafio é perceber e agir em nome de um coletivo. Assim, o que penso não faz sentido sem considerar o que o outro também pensa. Se a minha decisão é ignorar o vírus e sair pelas ruas, convidando a todos que façam o mesmo, preciso considerar os riscos dessa decisão para quem não pensa como eu. Esse comprometimento com o outro reforça o sentimento de pertencimento planetário. Mais do que nunca, pertencer ao planeta e percebê-lo tão próximo, tão intrínseco e sem fronteiras tornou-se essencial e urgente.

Meu corpo, minhas regras! Posso defender e devo defender essa postura. A questão não é essa. A questão é: que regras eu considero na minha vida? Posso desconsiderar o cuidado com outros corpos? O meu corpo pode ser pensado desconectado de outros?

Enfim… Dói muito ver as pessoas se isolando, evitando o contato, o beijo e o abraço, quando luto, diariamente, para exatamente potencializar essas ações.
Mas, no momento, com muito custo e pesar, prefiro respeitar o que esse pequeno vírus impôs à humanidade e, em respeito a tudo que acredito, em nome da Psicomotricidade que acredito e defendo, depois de muito refletir, concordo em ficarmos reclusos por um tempo, não por medo ou por achar que não custa nada. Custa muito!!!! Custa abrir mão do que considero mais importante para a saúde humana: os bons encontros!!!!!Mas, nesse momento, que isso sirva de reflexão e de reavaliação da vida que a humanidade buscou para si e da qual eu faço parte.

Que nessa reclusão, consigamos encontrar com nosso próprio ser, nos rever, seja por quinze dias ou mais; que possamos repensar ações, valores e desejar muito, muito mesmo que retorne o momento dos bons encontros.

Talvez precisássemos de um vírus para nos voltarmos para o valor dos encontros presenciais, dos abraços e dos beijos.

Então, que esse puxão de orelhas de luvas e a distância nos faça ainda mais desejosos de, em breve, nos reencontrarmos e vivermos bons afetos para fortalecer nossa saúde.

Katia Bizzo Schaefer é professora e psicomotricista

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