Se você acha que o mundo está desigual demais, espere até saber disso. Uma pesquisa feita por uma empresa britânica, a Knight Frank, demonstrou que, ao longo da próxima década, ocorrerá uma transferência massiva de riqueza, à medida que a geração silenciosa e os baby boomers entregarem as rédeas aos millennials, nome dado às pessoas nascidas entre 1981 e 1995. A mudança fará com que 90 bilhões de dólares em ativos sejam transferidos entre gerações apenas nos Estados Unidos, tornando os millennials ricos, a geração mais rica da história.
A notícia foi dada pela colunista Marta Gil, do jornal britânico “The Guardian”, e ela revela que tal transferência de renda vai agravar um dos maiores problemas que já nos ronda. Ou seja, o fator determinante do sucesso da geração millennial é, cada vez mais, se a pessoa nasceu rica ou não. E isto vai perpetuando a desigualdade.
Solução? Pasmem: a colunista fala em imposto sobre herança, um assunto que rondou os representantes dos países ricos nas reuniões prévias do G20 que aconteram no Rio de Janeiro no mês passado. Nosso ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu a criação de uma tributação progressiva para bilionários, o que pode ser mais ou menos a mesma coisa.
Sabem o que é mais interessante em toda essa história? Em janeiro de 2020, portanto ainda antes da pandemia de Covid-19, o Fórum Econômico Mundial de Davos, reunião de líderes empresariais e chefes de nações que acontece anualmente na Suíça, recebeu uma carta assinada por 120 milionários e bilionários do mundo, destacando os efeitos nocivos da desigualdade e exigindo impostos mais altos para os ricos, além de um esforço internacional para acabar com a evasão fiscal.
De lá para cá, todos os Fóruns de Davos – eles acontecem anualmente – recebem uma carta parecida. A imprensa cobre, analistas analisam, e tudo continua como dantes. Talvez o texto desta colunista britânica, publicado ontem no “The Guardian”, esteja sinalizando alguma mudança, em algum nível, em alguma medida.
Não quero ter esperanças, mas reproduzo aqui a fala de Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil, a quem procurei para compartilhar reflexões em 2020. A Oxfam é uma organização voltada, entre outras coisas, para analisar a questão da desigualdade social no mundo. Anualmente, lá mesmo no Fórum de Davos, a Oxfam publica uma pesquisa sobre o tema. Neste ano, o estudo publicado conclui algo parecido com o que Marta Gil denuncia: uma nova aristocracia econômica está surgindo.
“A riqueza dos cinco maiores bilionários do mundo dobrou desde 2020, enquanto a de 60% da população global – cerca de 5 bilhões de pessoas – diminuiu nesse mesmo período. Se o cenário geral não mudar, em dez anos teremos o primeiro trilionário, mas só conseguiremos acabar com a pobreza em 230 anos!”, diz o relatório da Oxfam, que pode ser lido em profundidade aqui.
Bem, mas se os super ricos estão escrevendo até carta para pedir que sejam taxados, se o ministro Haddad endereçou a questão na reunião do G20, será mesmo que não se pode ter esperança de que a situação possa ser revertida?
Com a palavra, Katia Maia:
“Esta carta, em resumo, diz o seguinte: vejam a que ponto chegamos, em termos de desigualdade no mundo. Tem uma parte dessa turma de milionários e bilionários que está mesmo impressionada com o nível de riqueza que está gerando riqueza em cima de riqueza. Essas pessoas estão, realmente, se assustando. Veja o Bill Gates, por exemplo: ele dobrou a fortuna dele desde quando saiu da Microsoft até agora. Isto é resultado de juros sobre juros, lucros, dividendos. Não é produção, não é valor agregado para a sociedade. É só riqueza gerando riqueza! Acredito que esta carta pode ter o efeito de avançar nesse debate. É animador”
Considerando que esse depoimento foi de 2020, e que estamos vivendo um cenário onde há mais pessoas, além de cartas, pensando em formas para diminuir a desigualdade, talvez seja mesmo um aditivo para nossa esperança. Vamos acreditar nele.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.