A defesa das folhas
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O Brasil está em quarto lugar no ranking mundial dos países que mais produzem lixo plástico.

Andam falando mal das folhas de amendoeiras que têm coalhado as ruas de um colorido lindo, tão lindo que só vendo. Fizeram até reportagem e ouviram um biólogo, que explicou: “As folhas têm mecanismo de defesa para lidar com a seca, um deles é perder as folhas”. Bem que o italiano Stefano Mancuso já avisou, em seu livro “Revolução das plantas”, que elas são inteligentes.

Falam mal das folhas porque elas entopem os bueiros. Mas, é só dar uma volta pelas ruas da cidade e perceber que essa é uma acusação injusta. Não são só as folhas que entopem os bueiros.

As máscaras descartáveis têm sido a melhor opção dos cidadãos. Explica-se: com tantos afazeres domésticos, agregados ao home office (rejeitado por uns, adorado por outros), fica mesmo difícil imaginar o cuidado com a máscara de pano, que precisa ser lavada sempre. Até aí, tudo bem. Mas…

O novo hábito de usar máscaras anda escancarando uma certa falta de educação dos moradores da cidade do Rio de Janeiro.  É só dar uma volta pelas ruas olhando para o chão. Está certo que as folhas são em número maior, mas as máscaras descartáveis estão em toda parte, escancarando uma tremenda falta de educação e de zelo com o espaço público.

O fenômeno já chamou atenção de estudiosos. Recém lançado, um relatório preparado pela Fundação Heinrich Böll (https://br.boell.org/pt-br/pagina-inicial) ,  chamado “Atlas do plástico” faz um alerta importante, vejam só:

 “Se todas as pessoas utilizarem máscaras faciais descartáveis, necessitaríamos, de acordo com estudos, de consumir 129 bilhões de máscaras faciais por mês para atender toda a população mundial. No Brasil, o consumo mensal de máscaras seria de 3,5 bilhões por mês. Levando em conta que cada máscara descartável pesa por volta de três gramas, isto levaria a uma dispersão de mais de 387 mil toneladas de plástico, o equivalente ao peso de 338 estátuas do Cristo Redentor por mês! Só no Brasil, seriam 10,5 mil toneladas de plástico, o equivalente ao peso de nove estátuas do Cristo Redentor”.

É claro que há soluções. As máscaras de pano são as que mais se adequam à ocasião. Mas a situação é bem parecida com as fraldas de pano versus fraldas descartáveis. Não há mais condições de se convencer uma jovem mãe que trabalha fora, a gastar parte dos seus dias de licença maternidade em tanques cheios de fraldas, certo? Pois é. Mas as fraldas descartáveis que facilitam tanto a vida, quando não são devidamente descartadas, aumentam e muito o lixo plástico no mundo.

O mesmo vai acontecer com as máscaras. E, pelo que se tem observado no cenário global, certamente será um acessório que vai nos acompanhar por muito tempo ainda, infelizmente. De cepas em cepas de vírus.

Vale a pena destrinchar um pouco mais sobre o relatório da Fundação Böll, já que pode ajudar a tomar uma decisão a favor das máscaras de pano (na comparação com as fraldas, as máscaras ganham e muito, já que são muito mais fáceis de lavar).

Para começar, a informação de que os países que mais produzem lixo plástico, segundo o Atlas, são: em primeiro lugar, os Estados Unidos, com aproximadamente 70,782 milhões de toneladas ao ano; depois a China, com 54,740; em terceiro lugar a Índia, com 19,311 milhões. O quarto lugar, com 11,3 milhões de toneladas de plástico produzidas ao ano é do Brasil, que recicla apenas 1,28% de seu lixo. Nesse total ainda não estão contabilizadas as máscaras.

Outros pontos do Atlas que têm informações importantes:

  • Nos oceanos, o plástico vira micro plástico, que vai para a barriga dos peixes que consumimos;
  • Se não mudarmos o jeito de produzir e consumir, a expectativa, segundo os pesquisadores, é adicionar 40% a mais de plástico no comércio até 2025;
  • Entre 1950 e 2017 foram produzidas 92 bilhões de toneladas de plástico em todo o mundo. Desse total, menos de 10% foram reciclados;
  • Nossa maior preocupação tem sido com a poluição que o plástico está causando nos oceanos, mas a poluição plástica do solo pode ser entre quatro e 23 vezes maior. A agricultura usa 6,5 milhões de toneladas de plástico em todo o mundo;
  • Os quatro países mais exportadores de plástico são Estados Unidos, Japão, Alemanha e Reino Unidos.

Os pesquisadores da Fundação Böll traçaram a história do plástico, e é possível descobrir como as embalagens são as grandes vilãs do lixo plástico que se deixa no planeta.  E isso também aumentou em tempos de Covid, quando, em casa, fomos cada vez ficando mais dependentes de produtos que nos chegam pelo sistema delivery. Eles perceberam, também, como não podia deixar de ser, um aumento no consumo de plásticos de curta duração nesse período.

“Entre janeiro e maio deste ano houve um aumento de quase 95% no gasto com aplicativos de entrega comparado a 2019, de acordo com a startup de finanças Mobilis. Se, antes da pandemia, pouco mais de um terço do consumo de plásticos era daqueles com até um ano de vida útil, como embalagens plásticas, estima-se que este percentual aumentará significativamente”, diz o relatório.

Têm razão aqueles que se queixam de que muitas empresas continuam fazendo tudo como antes, produzindo as mesmas quantidades de plástico, e que acaba sobre os ombros dos cidadãos comuns a mudança necessária. Têm razão também, no entanto, aqueles que perceberam que não dá mais para manter os mesmos hábitos como se nada estivesse acontecendo ao nosso redor.

Vai ser preciso um grande esforço de mudança. A pandemia, o isolamento, nosso medo da morte, convidam a, finalmente, fazer contato com essa necessidade. A boa notícia é que, em grande medida, essa mudança depende de nós.

Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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