A cidade não está dada
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Falo sobre o espaço urbano e nossos percursos dirigidos por uma arquitetura que nos coreografa e nos deixa  em circulação constante. O parar na cidade é algo subversivo e quase proibido. A contemplação não faz mais parte da nossa rotina, tomada por urgências, muitas vezes inventadas e impostas.

Por Carol Cony

  Ao observar a cidade e percebê-la como possibilidade de invenção das rotas e destinos, nos distanciamos dela para poder contemplas seu caos já absorvido no nosso dia a dia. O que nos faz refém de caminhos já fechados e impostos, talvez, seja a perda da nossa essencial curiosidade sobre aquilo que parece tão comum ao nosso viver. A cidade não está dada, ela está em transformação e somos agentes desse movimento.

A arte urbana possibilita a subversão desses espaços já mecanizados dentro dos ires e vires burocráticos do trabalho, e da nossa luta contra o tempo, os atrasos, as regras e afazeres. Uma disciplina do espaço se impõem sobre nós. Porém, a subversão desse olhar está em muitos trabalhos artísticos, que buscam a rua como elemento que potencializa encontros e transformação. Mas para além das obras artísticas elaboradas para a rua e sua transformação, é urgente termos consciência da potencia da cidade do Rio de janeiro em relação à rua e sua ocupação.

Luiz Antônio Simas, em “O corpo encantado das ruas”, nos da acesso a consciência da força da cultura de rua da cidade e da resistência histórica em seus procedimentos improvisados e tradicionais do povo . A história não contada nas escolas e universidades, aquela que é construída e mantida constantemente, numa força extrema de permanência.

Algo faz parar o movimento mecânico e burocrático da cidade extremamente urbana e veloz. As vezes um artista popular constrói sua roda no meio do centro da cidade e envolve uma multidão de transeuntes interessados nesse corte lúdico do ir e vir sem poesia. Eles rompem com o desencontro entre aqueles que circulam coreograficamente , e montam uma pequena sociedade artística ao meio de um centro caótico e seco. Os gritos dos feirantes se sobressaem dos barulhos dos carros velozes e criam gritos sobre seus produtos, canções improvisadas e marcas sonoras que nos fazem saltar para outro espaço/ tempo.

 A rua é um encontro de existências,  de violências, de silenciamentos, de improvisos, medos, alegrias coletivas, de potencia criativa constante.

A criança e o espaço, assunto imensamente amplo e curioso. A criança investiga o espaço como um brinquedo novo, sempre novo. Desafia seus cantos, suas ladeiras, desacelera o tempo desse ir e vir automático e se lança sempre para uma aventura, a partir de sua curiosidade latente. A curiosidade, que faz investigar, querer saber, pesquisar. A curiosidade epistemológica que habita também a criança. Paulo freira nos lembra bem sobre o que move o ser humano. Essa curiosidade que nos faz querer aprender e inventar. A criação de conhecimento, partindo do impulso da curiosidade.

Sou uma artista que investiga o espaço, o gesto e a linguagem, e a partir disso, elabora encontros possíveis entre público e artista, como num mesmo corpo, dividindo o mesmo espaço, e a partir dele, pontos uníssonos de criação.

Gosto de pensar o espaço quando estou com as crianças. Acredito que a dança tenha uma relação tão forte com o espaço, como a arquitetura e a instalação artística. Por isso, minhas experimentações no espaço com os bebes, por exemplo, dialogam com a transformação desse elemento, como convite sensível para que eles possam ser protagonistas de suas pesquisas. A curiosidade sobre o espaço cria deslocamentos e encontros dos corpos, tanto dos bebes quanto dos educadores.  Todos que estão presentes no espaço fazem parte dele e sua existência é geradora de ação, gesto, voz, silêncio… tudo compõem quando estamos ligados em nossas presenças como um coletivo que ocupa um espaço específico.

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