A cidade dos sonhos de todos nós
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Já imaginou criar seus filhos numa cidade com calçadas largas, mais largas do que as ruas e avenidas? Já pensou se as crianças pudessem andar livremente pelas calçadas, a pé ou de bicicleta, jogando bola ou pulando amarelinha (lembram-se deste jogo?) como antigamente, sem medos?

Já pensou se, nesta cidade, você pudesse andar também livremente, onde tudo o que precisasse estivesse a quinze minutos de caminhada? Até mesmo o seu escritório… já pensou se ele fosse pertinho, tão perto que você pudesse ir e voltar a pé do trabalho e almoçar em casa diariamente?

Essa cidade teria árvores em número suficiente para não deixar que o aquecimento global a transformasse numa ilha de calor. E teria um sistema público de coleta de resíduos tão bom que todos se sentiriam responsáveis pelo lixo que produziam. Nessa cidade, não haveria desemprego porque a prefeitura absorveria mão de obra, inclusive contratando pessoas para cuidar das árvores.

É um sonho, sim. Mas não é meu. E quem está sonhando tem condições de projetar esse local. Trata-se de um grupo de financistas que já investiu em empresas como Google e Linkedin. Os endinheirados compraram uma área de 20 mil hectares a 800 quilômetros de São Francisco, na Califórnia, estado da nação mais rica do planeta. Os magnatas que projetaram essa cidade são do Vale do Silício, região dos Estados Unidos que abrange várias cidades da Califórnia onde estão situadas várias empresas de tecnologia que empregam cerca de 387 mil pessoas com salários bem altos.

O local escolhido para realizar essa mágica é, ainda, um terreno absolutamente rural, onde hoje só se vê algumas cabeças de gado. O poderoso grupo de empreendedores de tecnologia, autodenomiando California Forever, escolheu esse local no Condado de Solano para desenvolver sua cidade do zero. Na verdade, o plano é construir três ou quatro cidades de médio porte com moradias acessíveis, que possam ser percorridas a pé e que respeitem o meio ambiente.

Estive pensando a respeito nos dias 17 e 18 (terça e quarta-feira desta semana), quando participei do Seminário Cidades Verdes, no Centro do Rio. Lá eu encontrei Ilan Cupestein, diretor regional do C40, uma organização que pretende reunir as cidades mais sustentáveis do mundo. Cupestein e eu nos encontramos sempre nos eventos, já somos até amigos.

E, como amigos que se unem por uma causa, sempre que nos encontramos é dela (a causa) que falamos. O melhor é que temos sempre as mesmas referências teóricas. Dessa vez, Ilan “trouxe’ para a  nossa conversa Le Corbusier, arquiteto franco-suíço que viveu de 1887 a 1962 e influenciou bastante a arquitetura brasileira, e sua Carta de Atenas.

O livro está disponível para quem quiser, foi editado pela Universidade de São Paulo. Neste texto, que publiquei em 2015 na minha coluna do G1, eu esmiuço bastante a proposta de cidade que o arquiteto desenhou. Aqui eu vou resumir: Le Corbusier acreditava num planejamento urbano que  seguisse um método, que freasse a expansão populacional e que também não permitisse um espaço físico muito além. Ele dizia ser preciso:

“ “Decidir sobre a maneira como o solo será ocupado e fixar uma superfície para uma cidade que não poderá ser ultrapassada durante um período determinado”.

Muita organização, pouca diversidade, quase nenhuma inclusão.

“Não deu certo”, disse-me Cupestein.

O contrário disso é a cidade que a economista Jane Jacobs descreve:

“As cidades têm a capacidade de fornecer algo para todos, apenas porque, e somente quando, são criadas por todos”.

O jovem diretor do C40 é um entusiasta da Cidade 15 Minutos, proposta desenvolvida pelo professor Carlos Moreno, da Sorbonne de Paris.

“Viver numa cidade significa aceitar um certo nível de disfunção: longos deslocamentos, ruas barulhentas, espaços subutilizados. Carlos Moreno quer mudar isso. Ele defende a “cidade de 15 minutos”, onde os habitantes têm acesso a todos os serviços de que necessitam para viver, aprender e prosperar nas suas imediações – e partilha ideias para fazer com que as áreas urbanas se adaptem aos humanos, e não o contrário”, diz o texto que apresenta a ideia no site de Carlos Moreno.

Não se trata apenas de propiciar um deslocamento confortável pela cidade – 15 minutos para se chegar a qualquer local importante –  mas também de pensar em  “soluções baseadas na natureza, como parques, telhados verdes, paredes verdes, infraestruturas azuis e pavimentos permeáveis, para ajudar a reduzir os riscos de calor extremo, seca e inundações, e melhorar a habitabilidade e a saúde física e mental”.

Bom, né?

Copenhague foi a primeira a tentar o modelo, Paris já adotou, e a novidade vai se espalhando mundo afora. Cupestein usou o microfone do Seminário para espalhar ainda mais. Quem sabe o Brasil consiga se abrir para a ideia?

Comecei este texto falando da cidade que os milionários vão criar no Vale do Silício, que possivelmente não dialoga com a ideia de Cidade 15 Minutos. O importante é perceber que não é só o dinheiro que pode impulsionar mudanças para melhorar a qualidade de vida de todos nós numa grande cidade.

É preciso vontade política.

Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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