A pedagogia das essencialidades
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Para Roquinho cabe pensar, elaborar um processo pedagógico que compreenda o que sugira o brincar: promover conhecimento com alegria, liberdade, movimento e “trazer para o centro dos seus conhecimentos de educador este saber que nasce do fato de ter sido criança por longos anos da sua vida e todo o conhecimento posterior, formal ou informal, organizar e fazer girar em torno”. Entrevistas com Roquinho 

No Sábado 07/12/2019 Roquinho irá oferecer uma vivência imersiva no mundo da cultura da infância, que será realizada em um percurso pelas ruas e praças de Santa Teresa. 

Segue a baixo dois dedos de prosa com o Mestre Roquinho, só para acalmar os corações de quem está ansioso com a chegada desse dia. 

Como a brincadeira contribui para o processo educativo de uma pessoa? 

Brincar é uma Pedagogia. Uma pedagogia das Essencialidades! A Criança Brinca por que deseja conhecer o que lhe assegure uma existência plena!

O que de mais interessante você apreendeu no convívio com as crianças e com as brincadeiras? 

Eu escolhi como método de aprendizagem, de construção de um conhecimento continuado, acerca da infância, estar com as Crianças! Aprendo com elas todos os dias e renovo diariamente este conhecimento. Então, sou mais aprendiz do que um Educador ou Pedagogo.

Busco pensar o Brincar como uma Pedagogia que assenta no “ser humano novo”, conhecimentos profundos sobre a natureza humana, a vida em sua dimensões diversas e o mundo que se habita. Constatar que esta pedagogia se estrutura sobre a liberdade, o movimento e a alegria, tendo por casa a natureza, me faz pensar que é necessário aprender com as Crianças!

 Destituir-se da perspectiva de Mestre para APRENDER com a Infância!

O que quer dizer ser um pedagogo brincante? Se é que podemos usar esse termo. As culturas se desenvolvem com relação aos recursos disponíveis, mantendo uma relação direta com a natureza e o meio geográfico que as pessoas habitam. Podemos dizer que o livre brincar é uma forma de retomar essa conexão?

Brincante, para mim, soa como definição de alguém que observa, aprende, reflete e Brinca!! Creio que o termo “Livre Brincar” designa justo o contrário do que pretende! Por que o Brincar pré-supõe Liberdade! Então o termo é um modo de afirmar, muitas vezes, o óbvio, justo onde ele não se confirma!

O Brincar é uma Cultura do Encontro… Nos apresenta uns aos outro com qualidade única, gratuita e dá vazão ao nosso anseio, inato, de nos formarmos amparados pela Natureza!

 Você brincava mais quando era criança do que brinca agora?
Sim, brinquei muito… e tenho certeza que a minha escolha de vida está intimamente ligada à lembrança que trago deste tempo!! O Menino que eu fui me guia em muitos momentos e me ajuda a pensar o mundo, a criação dos meus filhos, etc… Eu penso que trazer vivo o sentido original do Brincar, por ter Brincado, é o que melhor me qualifica para ser Brincaste, Educador e me colocar diante das Crianças hoje!

 Como descobriu os barquinhos na natureza? Que outros brinquedos naturais podemos encontrar na natureza?
Os Barquinhos são um brinquedo da Infância… Em Padre Paraíso, na rua Santa Luzia, promovíamos corridas de Barquinhos na enxurrada!

Na Natureza encontramos o que eu chamo de Brinquedos de Deus! Isso por estarem prontos. Não precisam ser transformados: as sementes voadoras, como as da Imburana ou Mogno… cascas de frutos que são canoinhas perfeitas, como as do Pente de Macaco. Para além, creio que são infinitos os Brinquedos da Natureza… Basta pensar em algo, casinhas, carrinhos, estradas, lagos, bichos… A Natureza sempre nos amparar quando o desejo é Brincar!

 Qual é a diferença entre brincar com os elementos da natureza e brinquedos prontos industrializados?
Existem diferenças muito significativas! Quase sempre brincar com a natureza é um desafio: nada está pronto! Tudo esta por ser feito! Então a criança ou o adulto imagina algo e está desafiado a dar uma configuração prática ao que imaginou!!! Desafiado a Construir!! Você sonha e as suas mãos realizam!

Sem contar que quando a Criança transforma a Natureza em brinquedo, ou seja, naquilo que mais ama, acrescenta em si, razões para amar também a Natureza!

Por fim, Brincar em meio à Natureza, com a Natureza, é dar sentido pleno ao Brincar… Brincar é um exercício de desenvolvimento do ser. e só a vastidão da Natureza, com os seus elementos e a sua condição de Mãe, (como diz Dona Zefa) é capaz (como nada mais) de devolver a quem Brinca, a resposta correta à sua necessidade e desejo de desenvolver-se.

Qual o papel do educador na hora de brincar com a natureza e as crianças? Como se qualificar para isso?
De uma maneira geral, acho que ao Educador cabe pensar, elaborar um processo pedagógico que compreenda o que sugere o Brincar: promover conhecimento com Alegria, liberdade e Movimento…

Ao educador, para se qualificar, eu sugiro não perder de vista a sua própria infância… Não permitir que o sentido original da linguagem deste tempo se apague!! Trazer para o centro dos seus conhecimentos de educador este Saber que nasce do fato Dele ter sido criança por longos anos da sua vida… e todo o conhecimento posterior, formal ou informal, organizar e fazer girar em torno!

Hoje em dia, nos grandes centros urbanos, as crianças tem feito muitas atividades extra turno escolar mas têm brincado pouco, isso é verdade?
Meninos e Meninas têm brincado menos em Liberdade, menos em meio à Natureza. E de uma maneira geral, têm brincado menos!

Penso que se nós adultos, que fomos criança há tão pouco tempo e brincamos uns com os outros, com mais liberdade, nos quintais, nas praças e ruas, avaliarmos que Meninos e Meninas de hoje não têm uma infância melhor do que a que tivemos, vemos comprometido todo o nosso sonho de um mundo e uma humanidade melhores! Então, como diria Lydia Hortélio, temos que nos mover!! A Criança em qualquer tempo será nossa parceira. Nela, o desejo de cumprir a infância pelos caminhos da sua cultura, brincando, estará sempre preservado!

Você pode falar do Carretel?
A Carretel é uma Empresa. Ela nasce para gerenciar e organizar parte do nosso trabalho! Ao longo da vida nós Brincantes de Belo Horizonte mantivemos nossa relação com organismos não formais e uma atuação ligada a movimentos sociais, como o MST, Associações de Bairro, Grupos de Tradição, etc. Este foi o chão da nossa formação!

Este foi o segundo ano, em que, através da Carretel, ampliamos de maneira organizada a nossa relação com outros setores: poder público, Instituições e empresas e pudemos, ao mesmo tempo, ter recursos para pensar e executar projetos e parcerias de maneira independente. Um destes projetos é a parceria perene com as Meninas de Sinhá, na Comunidade do Alto Vera Cruz, em BH. Agora entramos no tempo de preparação do Auto de Natal que já acontece ali há 20 anos! O outro é uma parceria com a Creche Terra Nova, da Vila Acaba Mundo. Onde, ao longo de 2015, temos construído uma experiência conceitual e de apontamentos práticos com os educadores e a comunidade!

A natureza é uma possibilidade da criança se encantar pelo mundo. Roquinho diz que, quando bem plantada na alma infantil, a natureza gera muitos frutos: transforma o menino num adulto mais conectado com seu planeta.

A criança tem uma predisposição em relação à natureza. Ela nasce com um desejo muito forte de brincar na natureza e com a natureza.

O brinquedo é um caminho profundo para o conhecimento, como se fosse uma pedagogia, que inaugura conhecimentos especiais para o ser humano. É importante reconhecer essa força na ação dos meninos e pensar em como ela pode ser uma inspiração.

Mais uma vez se coloca como professor diante do menino, quando há possibilidade de aprender com a criança. O mestre da brincadeira é menino, não é o adulto.


Desde 1998 Roquinho pesquisa cantigas, brincadeiras e batuquinhos para a primeira infância com o Grupo Meninas de Sinhá, este Processo gerou um dvd.

Confira também Outras histórias

Ô, de casa: um documentário fruto de visitas feitas a casinhas ou cabaninhas, todas construídas espontaneamente e de forma improvisada por crianças e adolescentes em espaços ociosos de Minas Gerais. Dirigido por Clarice , sobre pesquisa realizada pelos mestres brincantes Roquinho e José Faria Julio.


Matéria mixada

Entrevista com Ana Lobo -10/11/2019
Entrevista com Sallisa Vasco originalmente publicada na Revista Astrolábio 

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