FORMAÇÃO ESTÉTICA: EM BUSCA DO SENSÍVEL
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Por Adrianne Ogêda Guedes, Nuelna Vieira e Moema Quintanilha


Como melhor formar para a sensibilidade o professor da Educação Infantil?

Como favorecer, nos espaços de formação, a que ele compreenda os conceitos estéticos pedagógicos, refletindo e desenvolvendo os próprios na busca de contemplar seu exercício profissional? 

E, como colocar tudo em prática no cotidiano dos espaços de Educação Infantil? 

Acreditamos no cultivo da criança que brinca da criança que se expressa em suas “cem linguagens” (Malaguzzi, 1995), da criança como ser sensível, que mergulhe no conhecimento do mundo a partir da descoberta de si próprio. Nesse sentido, como entender, compreender e respeitar a linguagem corporal da criança em contraposição a práticas enrijecidas de contenção do movimento e da criação, de limitação e empobrecimento da comunicação corporal?

Como estar preparado para reconhecer as descobertas entusiasmadas das crianças se temos medo dos nossos próprios desvendamentos? Se pouco nos expressamos com nossos corpos? De que maneira compreender o ser sensível na criança se não cultivarmos em nós próprios também o ser sensível?

Em nossa prática de formação de professores temos proposto experimentos estéticos que possibilitem ao professor o contato com sua potência criadora. Desse modo o professor desenvolve suas sensibilidades, questiona suas práticas (o que fazer no cotidiano com as crianças? O que tenho feito? De que modo a formação estética se faz presente nas propostas que faço para as crianças?). As vivências que temos proposto envolvem a consciência corporal, visual, musical e demais expressões. Pretendemos que o professor conheça melhor suas potencialidades, descobrindo a si próprio por meio das experiências no campo das artes, construindo seu saber através da própria experiência estética, afetiva e reflexiva.

Já em 1943, o pensador inglês Herbert Read, crítico de arte e literatura e um dos fundadores, junto com Vicktor Lowenfeld, do Movimento de Educação peal Arte, o qual deu origem ao MEA — Movimento das Escolinhas de Artes, se referia aos conceitos de John Dewey em sua obra “A arte como experiência” e propunha a formação do professor pela educação da sensibilidade estética, compreendendo “a educação dos sentidos nos quais a consciência e, em última instância, a inteligência e o julgamento do indivíduo humano estão baseados. É só quando esses sentidos são levados a uma relação harmoniosa e habitual com o mundo externo que se constitui uma personalidade integrada.”(08:2001). Na concepção de Read a educação estética tem como objetivo preservar a intensidade natural de todos os modos de percepção e sensação, coordenar os vários modos de percepção e sensação entre si e em relação ao meio ambiente e desenvolver a expressão do sentimento de forma comunicável, que de outra forma, permaneceriam parcial ou completamente inconscientes.

Temos desenvolvido, como parte de um convênio entre o Ministério da educação e as Universidades Federal do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Rio de Janeiro, Cursos de Extensão voltados para a formação estética do professor da Educação Infantil. Nosso objetivo nesses cursos é trabalhar o processo da percepção, do pensamento e das ações do corpo. 

Através da arte, da sensibilidade buscamos formar o ser sensível para se tornar apto a escutar e alimentar a criança em sua descoberta do mundo. Para que o educador reconheça o corpo da criança que brinca, que experimenta o prazer simples e gratuito da alegria, ele necessariamente deve se experimentar enquanto corpo que tem alegrias, prazeres, sonhos, desejos, refletindo criticamente sobre suas práticas, crenças e valores
herdados culturalmente.

A arte do sensível que defendemos tem como perspectiva possibilitar ao educando a compreensão e consciência estética de suas práticas vivenciadas nas diversas áreas das linguagens artísticas: artes visuais, corporais, na música, na leitura literária, na escrita, que possam proporcionar também seu desenvolvimento criativo. Na construção do processo criativo do professor de sua sensibilidade estética propomos como currículo, vivencias culturais e experimentos de cunho artístico vivencial. O objetivo dessa comunicação é, portanto, aprofundar a reflexão sobre as bases de uma formação estética voltada para o professor da Educação Infantil.

Read (op.cit.) já defendia a educação para o desenvolvimento do ser pleno compreendendo a educação visual, todos os modos de auto-expressão, literária e poética e musical. Preconizava a educação numa abordagem integral da realidade que deveria ser chamada de educação estética para que fosse cultivada a integração da formação do ser. 

Para ele a educação estética sempre envolvida no processo da percepção, do pensamento e das ações corpóreas, teria como objetivo: a preservação da intensidade natural de todos os modos de percepção e sensação; a coordenação dos vários modos de percepção e sensação entre si e em relação ao meio ambiente; a expressão sob forma comunicável dos modos de experiência mental que, de outra forma, permaneceriam parcial ou completamente inconscientes; a expressão do pensamento sob forma requerida: visual, plástica/tato, musical e dança, poesia e teatro e pensamento. Na educação estética proposta por Read, a criança aprende fazendo, revivendo, mental e fisicamente uma experiência, passando pelos vários processos elaborativos de aprendizagem, fazendo com que o conhecimento seja mais integrado, por ter sido adquirido por
meio dos sentidos, em atos. 

Read endossa Martin Buber, na palestra deste sobre o “desenvolvimento das forças criativas da criança” (Heidelberg, Alemanha, 1925), ao argumentar que a criança aprende coisas ao experimentar por ela mesma. Defende que o aprendizado se dá pela relação mútua, estabelecida pelo que Buber chamava de “instinto de comunhão” (verbundenheit), que está na interação do dar e receber. O que esses autores afirmam é que além da liberação dos poderes criativos da criança por ela mesma, ser uma precondição para a educação, o educador tem um papel crucial para garantir os aprendizados essenciais que acontecem no “instinto de comunhão”.

Nesse sentido, quanto mais particularizada e próxima for esta interação, mais vívida ela estará para a criança. Para os autores, o educador deve desenvolver sua consciência na ação de sua intermediação com a criança. Apontam para aspectos sutis referentes a interação entre o professor e as crianças, que indicam as expressões acolhedoras ou distanciadoras presentes nesse contato. Do lado do educador, seu timbre de voz, gestos, movimentos, olhar intimidador muitas vezes sendo captado como hostis, e do lado da criança, seus gestos buscando ser olhada, um tímido levantar o dedo pedindo uma fala ou o olhar interrogador quando em seu processo de atividade experimental . Ressaltam também que a educação não se faz só no espaço entre quatro paredes de uma sala de aula: “o mundo influencia a criança da mesma forma que a natureza e a sociedade a influenciam. 

Os elementos a educam — o ar, a luz, a vida das plantas e dos animais -, e as relações a educam. O verdadeiro educador compreende os dois; mas ele deve ser como um dos elementos para a criança” (321:2001). Preconizam a comunhão na educação — que implica na liberdade entendida como o incentivo para a habilidade de unidade, como uma luta pelo direito de se experimentar, própria da responsabilidade pessoal: “é a corrida antes do salto, a afinação do violino antes de tocá-lo” (321:2001)

O professor voltado para a realidade criativa precisa atentar para o que Buber sublinha sobre o perigo da “vontade de poder”, em que o professor se aproxima da criança como portador de valores fixos. Ele representando o cosmos estabelecido da história e o aluno, um recém-nascido do caos, ignorando assim os saberes da criança. Ou ainda quando o professor busca um padrão de relação com a criança ignorando que cada uma é um indivíduo com todas as particularidades subjetivas que devem ser consideradas, pois “na própria variedade e na diversidade das crianças ele encontrará evidências da realidade criativa.”(323:2001)

Para Read ser professor exige um alto grau de ascetismo sem excluir a comunhão emotiva entre professor-criança: a alegre responsabilidade por uma vida confiada, uma vida que se deve influenciar sem qualquer indício de dominação ou auto-satisfação mas levando em consideração o envolvimento necessário para que seja reconhecido e seja valorizado a relação do sentimento entre o professor e criança, confiança e compreensão mútua. Cada encontro tendo suas próprias leis e estrutura, sua própria realidade, que não é incompatível com a compreensão.

Como professores que primam pelo desenvolvimento sensível de nossas crianças, devemos ter consciência que somos influenciadores a todo tempo, nos mínimos detalhes, opiniões expressas, comunicações vindas pelos gestos, olhares, maneira de falar, vestimentas, e, portanto.

A educação estética de Read propõe ao professor uma auto-educação na direção do desenvolvimento da própria sensibilidade de forma a reconhecer e a preservar a vividez das sensações nas crianças, alcançando sucesso em relacionar ação com sentimento, e até mesmo a realidade com nossos ideais. Sendo assim o idealismo não seria uma fuga da realidade, mas uma resposta humana à realidade. (338:2001)

A educação a que Read chamou de “educação pela arte”, não teria outro objetivo além do cultivo da consciência dos valores intrínsecos, entendidos como o valor intelectual, moral e estético. E, para ele o exercício desta se faz pelo processo de integração individual e social que escapam às atitudes mentais implícitas no didatismo. Para ele “o padrão, na moralidade, na arte e na sociedade, deve ser renovadamente percebido por todas as sensibilidades nascentes: caso contrário, o padrão simplesmente mata a vida que ele deveria conter.” (341:2001) 

A arte está sempre em seus limites imediatos, ativa e expansiva, inerente à vida e também pode ser encontrada em todos nós, pois todos nós teríamos nossa atitude artística (ou seja, estética), localizadas em nossos momentos de desenvolvimento espontâneo, de atividade criativa. 

“Todo homem é um tipo especial de artista, e, em sua atividade criativa, lúdica ou profissional (…), ele está fazendo mais do se expressar-se: está manifestando a forma que nossa vida comum deveria assumir em seu desenrolar.” (343/344: 2001).


Compreendemos que para a construção do educador infantil contemporâneo sensível devemos desenvolver o seu/nosso ser educador-artista. Desenvolver nossa atitude sensível e criativa diante dos desafios educacionais, nossa ludicidade, sensibilidade e expressão com o corpo, com as cores, formas, palavras, em nossa comunicação poética diante do mundo e de nós mesmos. Reconhecermos os elementos como o ar, a luz, as imagens, que sensibilizam a todos nós, adultos e crianças, como elementos que integram nossa percepção e diálogo com o mundo.

Para isso recorremos ao que John Dewey afirma sobre ter uma experiência de forma singular. Na construção de nossa educação estética, urge termos atenção ao que percebemos e a como o fazemos. Como diz Dewey, muitas vezes estamos presentes numa experiência, mas de forma distraída, dispersiva, desconectada, onde o que observamos, sentimos e o que pensamos. Dessa forma o que desejamos e o que obtemos, discordam entre si. (109:2010). 

A experiência singular pode acontecer nas situações simples tais como fazer uma refeição, conversar, brincar, jogar, escrever, ou mesmo, sentir a brisa do vento, assistir a uma chuva. O que faz a experiência singular não é sua grandiosidade, a eficiência da ação, a habilidade sagaz de superar os obstáculos. Se esta for vivida de forma inconsciente, inestética, de nada valerá. O que importa é estar nela de forma inteira, não automatizada, seguindo um rítmo próprio, sensível, onde o fazer e o perceber caminhem juntos, alimentando a experiência em sua qualidade sensorial plena (116:2010). 

A experiência estética integral se desloca para um desfecho como um fechamento de circuito de energia, mas não cessa dentro de nós ao terminar, não se suspende, não paralisa. Também não se perpetua apenas no intelecto ou num cansaço físico e sim nos faz reconstituir nossa unidade.

Nesse entender, o que faz uma experiência se tornar inestética (ou, anestésia) não é seu envolvimento com o intelecto e/ou a prática, mas, “a monotonina, a desatenção para com as pendências, a submissão às convenções na prática e no procedimento intelectual. Abstinência rigorosa, submissão coagida e complacência displicente, por outro, são desvios em direções opostas da unidade de uma experiência”. (117:2010) 

Na experiência estética integral acontece a “incorporação” do que foi vivenciado, podendo não ser divertido, correndo o risco da revelação de dor e conflito. É talvez por isto que muitas vezes desenvolvemos o hábito de viver nossas experiências de forma superficial, por temer sentimentos e emoções dos quais nos defendemos.

Condições estas, que precisamos aprender a lidar, amadurecendo e nos fortalecendo psicológica e afetivamente.

“É que „incorporar‟, em qualquer experiência vital, é mais do que pôr algo no alto da consciência, acima do que era sabido antes. Envolve uma reconstrução que pode ser dolorosa. Se a fase necessária do submeter-se a alguma coisa é prazerosa ou dolorosa em si mesma, depende de condições específicas.” (118:2010)

Os sentimentos e emoções advindos de uma experiência estética serão sempre significativos por que percebidos e podem fluir num dinamismo, se alterando, se alternando, se transformando, passando por alegrias, tristezas, esperanças, medos, ansiedades, raiva, curiosidades, redenções, tranqüilidade, revelações, afetos, num ciclo de desvelamentos internos nas descobertas de si mesmo diante do outro.

Para que em nossa formação de professor aconteça a singularidade citada por Dewey, onde o professor se torna um educador-artista, é preciso que fazer ao manipularmos, tocaremos e sentiremos; ao olharmos, veremos e ao ouvirmos, escutaremos. Estaremos sendo artistas, numa concepção deweyriana, em nosso momento de produzir , quando norteado pela intenção de criar algo visível, audível ou tangível, que seja vivenciado na experiência imediata da percepção de natureza estética. “Em uma enfática experiência artístico-estética, a relação é tão estreita que controla ao mesmo tempo o fazer e a percepção.” (130: 2010)

Na formação estética buscamos o sensível, procurando não sermos passivos diante de uma cena, mas aprendendo a perceber cada ser criança diante de nós, aprendendo a ver, aprendendo a ouvir e aprendendo a sentir, tomando consciência do que somos diante dela e do que podemos ser, considerando toda a cultura visual, auditiva, de produção de desejos a que estamos submetidos. Caminhamos em nosso porcesso procurando exercitar nossa sensibilidade através do fazer artístico, tendo a arte como instrumento para aguçar nossa sensibilidade. Como nos diz Duarte Jr:

“Sendo a arte a concretização dos sentimentos em formas expressivas ela se constitui num meio de acesso a dimensões humanas não passíveis de simbolização conceitual. A linguagem toma o nosso encontro com o mundo e o fragmenta em conceitos e relações, que se oferecem à razão,
ao pensamento. (…) Pela arte somos levados a conhecer melhor nossas experiências e sentimentos, naquilo que escapam à linearidde da linguagem. Quando, na experiência estética, meus sentimentos entram em consonância (ou são despertados) por aqueles concretizados na obra, minha atenção se focaliza naquilo que sinto.” (65/66:1991)

Nos interessa a possibilidade da promoção de uma educação estética produzir marcas que nas professoras em nível de cognição, afetividade e imaginação. Para tal investimos no desenvolvimento pessoal cognitivo, artístico afetivo e imaginativo dos professores participantes e não, meramente na aplicabilidade de técnicas para serem usadas em salas de aula. Para tanto temos promovido encontros de estudo, discussão e reflexão sobre os temas de interesse a partir de textos selecionados pelo grupo, visitas artísticas e culturais, ateliês para o fazer artístico e desenvolvimento da imaginação, análise da afetividade ocorrida dentro do trabalho e registros de ideias e percepções.

Percebemos que o contato com diversas produções culturais possibilita a fruição pois, como Soares comenta, na educação estética “(…) se deseja que o homem, num processo de sensibilização e consciência se permita ser mais humano no sentido de ser mais criador e participante ativo na própria história.” (70: 2010). 

Para tanto devem ser levados em conta os princípios colocados por Peixoto, 

 os educadores devem assumir a responsabilidade de expandir o uiverso dos educandos. O processo de (re)humanizar os sentidos do homem, ampliar-lhe o âmbito da reflexão e criar uma sensibilidade genuinamente humana é um desafio histórico posto a cada dia para todos que trabalham ou se preocupam com a educação — strito ou lato sensu — e para o artista em particular. (PEIXOTO, 48/49:2003 Apud: SOARES, A.Luiza Passos, 70: 2010).

Pelo perfil de nosso Grupo de Pesquisa — professores situados no eixo da grande cidade do Rio de Janeiro, complexo urbano com múltiplas ofertas, demandas, possibilidades culturais, artísticas em forma de exposições, palestras, cinema, teatro, dança, performance, etc. -, um de nossos desafios é selecionar as prioridades dentre as possibilidades de experiências culturais e artísticas que acontecem no mesmo dia e horário e as nossas tantas atividades profissionais a que estamos diariamente comprometidos. É preciso também considerar os desgastes nas operações de tempos passados dentro do trânsito efervecente e sabermos que o que apreendemos, “incorporamos”, tem mais a ver com a qualidade a que temos tempo para absorver e a possibilidade de interagir, refletir e nos transformar.

Em nossos encontros de pesquisa e formação de professores temos participado em grupo de alguns cursos, eventos culturais em centros culturais da cidade. Nessas oportunidades acontece a troca entre outros educadores que em geral pertencem à rede pública municipal do Rio de Janeiro. As vezes nos dividimos nas participações e depois socializamos para o grupo em nossos encontros mensais, momento de discussão dos nossos referenciais e organização dos caminhos da pesquisa. 

Um dos espaços formativos que tem sido referencia importante para o grupo é a Casa Daros. Uma boa parcela do grupo freqüenta os “Encontros Participativos”, promovidos pelo setor artístico-educativo da Casa, cujo lema é “Arte é Educação”. Eles defendem que a arte e a educação, embora com especificações diferentes de uma atividade comum, são atividades que compartilham campos de conhecimento e que articulam processos criativos de aprendizagem. Nesses encontros somos provocados a investigar: 

“Quando conceitos e princípios se transformam em prática, o que escapa, o que se transforma e cresce no percurso? Como as práticas, processos e pesquisas individuais dos artistas que passaram pela programação impactaram nossas ações e foram incorporadas nelas?”

Para Roberta Condeixa, coordenadora do Programa Arte é Educação

 No encontro com os artistas que participam da programação, seus processos artísticos e pedagógicos foram compartilhados para promover descobertas particulares, pois damos atenção ao processo e não ao resultado. Entendemos que a troca de maneiras de aprender é mais importante do que o conteúdo presente. Por isso todas as ações e porpostas elaboradas pela equipe busca traçar proposições abertas ao encontro. (7/8: 2014)

Luisa Macedo, uma das integrantes do programa “Arte é Educação”, afirma:

A tarefa mais difícil na prática é lidar com pessoas que talvez não sejam
as que eu esperaria receber, com demandas que desconheço e que elas
próprias não sabem dizer. A incógnita do público é como uma forma de
me obrigar a conviver com minhas próprias incapacidades e me vejo
lidando com desconhecidos como se estivesse mirando um espelho. (…) É preciso que antes de tudo se tenha clareza do que se quer amadurecer na
presença do outro. Sinto que aos poucos essa dimensão da partilha veio como necessidade e dela devo recomeçar como única forma de entendimento do meu processo como artista e como educadora (9:2014)

Nas visitas às exposições de arte com nosso grupo, temos trocado conhecimento e reflexões com outros educadores, pesquisando outros saberes, produzindo nossas expressões artísticas fazendo apreciações estéticas entre nós, nos reinventando a cada experiência que passamos. Ainda em Dewey:

(…) para perceber, o espectador ou observador tem de criar sua experiência. E a criação deve incluir relações comparáveis às vivenciadas pelo produtor original. (…) Sem um ato de recriação, o objeto não é percebido como uma obra de arte. O artista escolheu, simplificou, esclareceu, abreviou e condensou a obra de acordo com seu interesse.
Aquele que olha deve passar por essas operações , de acordo com seu ponto de vista e seu interesse. Em ambos , ocorre um ato de abstração, isto é, extração daquilo que é significativo. (137:2010)

Recentemente fomos com nosso grupo de pesquisa à apreciação das obras Paintant Stories (Histórias Pintantes) de Fabian Marcaccio*. Sua exposição é um desejo de representar o “mundo” contemporâneo por meio da simultaneidade temporal da pintura, uma composição micro-macro que produz uma multiplicidade de visões em que o espectador-participante precisa se aproximar para ver muito de perto e se distanciar para conseguir ver de longe e, fluir pela pintura. Nos convida a também olharmos com mais precisão para um detalhe em nossa vida e depois nos distanciarmos para perceber a mesma coisa de forma mais ampla, causando perguntas para serem decifradas .

(…) nestas pinturas a pessoas flui com o tempo, flui com o espaço e vê a pintura à medida que vai vendo o mundo. E para mim isso é muito importante filosoficamente, porque se transforma em uma espécie de arte mais sóbria, uma arte que acompanha o transcurso das pessoas no mundo, em vez de pará-lo. ( Marcaccio, 2005) ( 21: 2014)

Como espectadores-participantes da exposiçao inicialmente realizamos, cada um de nós por si, nossa apreciação e depois conversamos sobre nossos olhares, sensações, percepções, desejos e imaginações, fomos desencadeando mais ideias e perguntas que geravam mais outras em nossa troca mútua. Marcaccio acredita que:

o espectador dança e tem uma relação potente com a obra ao mesmo
tempo. Na verdade, a própria potência seria atingir o corpo. Que tal repararmos como corpo e mente podem estar em comunhão? Que tal nos permitirmos inverter o que geralmente tentamos entender em palavras para que nos impulsione nos sentidos? (24:2014) .

Marcaccio, em sua identidade, se diz híbrido em certo sentido, por ser transcultural, e sua obra tem elementos tanto europeus como americanos, como latino-americanos. Nós brasileiros, latino-americanos, também nos assumimos híbridos, como Néstor Garcia Canclini denuncia, temos em nosso pensar cultural a hibridização das culturas a que fomos submetidos ou como diz Leontiev: cada pessoa possui uma identidade múltipla, porque ela pertence a um determinado número de identidades sociais que diferem em extensão e critérios do sentido de pertença(127:2000). 

Ou ainda com comenta Soares sobre as experiências de ateliês de artes visuais com o seu grupo de pesquisa com professores:

Ao partir em busca de indícios de transformação sinalizamos pelo grupo de professoras, partiu-se do entendimento de que, sendo pessoas situadas histórica e socialmente em um contexto, traziam marcas que suas
trajetórias lhes impuseram, no entanto, traziam também as possibilidades de afetarem-se pelas vivências propostas pelo grupo de formação docente baseada na estética. (76: 2010)

A partir do que vivenciamos, sentimos e desejamos recriar em nós e também escolhendo, simplificando, esclarecendo, abreviando, condensando nossa expressão artística de acordo com nosso interesse, fizemos nosso atelier de arte impulsionados por estas ideias, contemplando nossas memórias, desenhando, pintando, agregando imagens, nossas poéticas, nossos corpos , dançando em nossas múltiplas linguagens.

Quando perguntado sobre o que quer dizer com “fazer ver a pintura” — título de sua exposição na Casa Daros — Marcaccio responde que quer de algum modo revolucioná-la para que possa ser vista. 

Quando se vê uma pintura que simplesmente copia outro período, não se tem a visibilidade da pintura. Eu acho que a única forma de fazer ver a pintura é fazer algo novo.(52:2014). 

Em nossa oficina e a partir da apreciação compartilhada da obra de Marcaccio, dançando em nossas múltiplas linguagens, fizemos o nosso novo, fizemos re-conexões, nos revemos, criamos relações a cada olhar, a cada escuta de cada colega, e, em nossa recriação artístico-estética, criando nossas cores, texturas, formas, trazendo objetos-imagens de nosso universo de memória pessoal-subjetiva e de nossa memória cultural social híbrida, reorganizando as fragmentações do caledoscópio de tantas informações, signos, memórias, sentimentos, criando“os agenciamentos que desenvolvemos numa cidade complexa contemporânea, uma almágama de situações, num olhar cubista, abraçando a complexidade”, como sugere Marcaccio(41/43:2014), na construção de nossa cartografia pessoal.

Com um desejo de uma reconstrução de nosso olhar após a experiência do fazer criativo, alimentados pelo que tínhamos sido instigados pela obra de Marcaccio, retornamos à exposição. Nós, como autores de uma experiência compartilhada, dispostos a uma nova fruição, provocados pela proposta do artista “para fazer ver”. Continuamos mantendo nossa presença nos “Encontros de Multiplicadores para a Educação Infantil” promovidos pela Casa Daros que a cada vez tem focaliza um tema, tal como: “Riqueza na Aprendizagem da Criança através da Arte” com Felipe Sepúlveda, coordenador de arte e cultura do projeto colombiano AEIOTu/ Fundação Carulla; “Arte com Meio de Aprendizagem na Primeira Infância”, tendo a filosofia de Reggio Emilia como mola propulsora para uma conversa sobre as potencialidades dos processos e práticas artísticas para a criança; “Materiais e Metáforas”, quando passamos por experiência sobre o entorno do lugar, observando, percebendo, sentindo desenhando, coletando objetos e imagens, fazendo formas, composições, aguçando nossas sensibilidades; “Ambiente como Terceiro Educador”, quando pensamos o espaço como lugar de conhecimento e organizamos espaços voltados a Educação Infantil, distribuídos em zonas de interesses, sensibilidades estimuladas a serem desenvolvidas a partir e materias e objetos instigadores que fazem parte de nossos acessos e possibilidades cotidianas. Nestes e em outros encontros têm se constituído para nosso grupo de pesquisa como espaços de trocas, pesquisa e aprofundamento da experiência estética, onde temos acesso a variadas experiencias que estão acontecendo no mumdo e com os colegas de curso, nos permitindo aprofundar nossas aprendizagens múltiplas por uma educação estética de forma compartilhada.

Nesse sentido, o grupo FRESTAS inicia sua trajetória de pesquisas, consolidando suas bases teórico-metodológicas assentadas na perspectiva de que a experiência de pesquisa pode envolver não apenas as ações mais tradicionalmente relacionadas ao ato de pesquisar, com todas as suas hermenêuticas, mas também englobar experiências nos espaços culturais da cidade que ampliem nossa compreensão e nossa vivencia no campo estético/artístico. Fortalecem-se e intensificam-se, desse modo, nossas concepções de base a cerca da formação estética: é preciso fruir, experimentar, vivenciar de modo a integrar saberes, experiências, sentidos.



*Fabian Marcaccio (1963), artista plástico argentino, vive em NovaYork. Utiliza técnicas modernas em uma tentativa de redefinir a pintura, expandindo seus parâmetros no tempo e no espaço. Marcaccio em uma série de micro e macro cosmos, numa tela de 100 metros, o espectador é simultaneamente exposto ao infinito e à fragmentação, ao caos e à ordem, ao
concreto e ao abstrato. Exposição na Casa Daros, Rio de janeiro, de 29 de março a 10 de agosto
de 2014.


BIBLIOGRAFIA:

DEWEY, John. A arte como experiência. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2010.

DUARTE JR., João-Francisco. Fundamentos estéticos da educação. Campinas, SP: Papirus,
1988.
____________________. Por que arte-educação? Campinas, SP: Papirus, 1991.
__________ . O sentido dos sentidos: a educação do sensível. Curitiba, PR: Criar, 2001.

LEONTIEV, Dimitry A. Funções da arte e educação estética. In FRÓIS, João Pedro (org.)
Educação Estética e Artística: Abordagens Transdisciplinares. Lisboa Fundação Calouste
Gulbekian, 2000. P. 127–145.

MARCACCIO, Fabian. Fazer ver a pintura: Encontros. Conversa entre Hans Michael Herzog e Fabian Marcaccio, Rio de Janeiro: Casa Daros, 2014.

READ, Herbert. A educação pela arte. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2001.
SOARES, M, Luiza Passos. Educação Estética: investigando possibilidades a partir de um grupo de professoras. In PINTO, Angel; SCHLINDWEIN, Luciane Maria e NEITZEL, Adair de Aguiar (orgs.) Cultura, escola e educação criadora: formação estética do ser humano. Curitiba: Editora
CRV, 2010.


Adrianne Ogêda Guedes é professora Associada à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, atuando na graduação dos cursos de Pedagogia presencial e a distância e no Programa de Pós-Graduação em Educação — Mestrado /PPGEDU da UNIRIO . É pesquisadora dos grupos de pesquisa FIAR (FIAR — Círculo de estudo e pesquisa formação de professores, infância e arte), GiTaKa ? Grupo de Pesquisa Infâncias, Tradições Ancestrais e Cultura Ambiental e coordenadora/líder do Grupo de Pesquisa FRESTAS — Formação e ressignificação do educador, saberes, troca, arte e sentidos. Coordena o Subprojeto de Pedagogia do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID-2018) 

adrianne.ogeda@gmail.com

Nuelna Vieira possui graduação em Psicomotricidade pelo Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (1999) e mestrado em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Atualmente é coordenadora da Casa Monte Alegre, Educação Infantil e Professora Formadora do curso de especilaização em Docência da Educação Infantil — UNIRIO/MEC e o Curso de extensão Arte, corpo, Natureza UNIRIO/MEC. Atuando principalmente nos seguintes temas: educação infantil; formação de professores; as relações entre aprendizagem e ensino; assim como, corpo e educação.

 nuelnavieira@gmail.com

Moema Quintanilha é mestre em História da Arte na EBA/UFRJ -Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996). Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela FAU/UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro (1978), Formação como Arte Educadora pelo Curso Intensivo de Arte na Educação — CIAE/Escolinha de Arte do Brasil (1989), Especialização em Formação de Docentes Universitários pela UNIRIO-Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2001), Especialização em Psicomotricidade pelo AVM/UCAM- Projeto A vez do Mestre — Universidade Cândido Mendes (2003) , Formação como ArteTerapeuta pelo Instituto Antrophos (2003). Atualmente é Diretora artística e pedagógica da Associação INSCRIRE- Inscrever os direitos humanos em 1 e 1000 Escolas do Rio de Janeiro, Coordenadora de arte da Escola NAU- Núcleo de Arte da Urca, Coordenadora do Polo de Arte na Escola / EAB- Escolinha de Arte do Brasil.

moemaq@yahoo.com


As autoras fizeram parte do grupo de pesquisa FRESTAS (Formação e ressignificação do educador: saberes, troca, arte e sentidos)


2014

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