Viagem à caça dos meteoros
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O texto de José Eduardo Agualusa, escritor e colunista que publica nas edições de domingo do jornal “O Globo”, arrebatou-me de um jeito. (A foto que ilustra este texto é reprodução da foto que ele publicou em sua colua e que, por sua vez, é reprodução/Facebook – Meteo Trás os Montes)

Lá pelas tantas, o português sugere uma espécie de caixa de ferramentas para os caçadores de meteoros. Lembrem-se de que foi lá no país dele que um meteoro riscou os céus de azul turquesa  brilhante num dia desses. Agualusa chama de milagre, concordo com ele. Mas, que fique bem claro: não é aquele milagre feito por pessoas que se tornam santas e “salvam’ vidas. É um milagre no sentido da etimologia da palavra, que é latina e quer dizer maravilha, coisa prodigiosa, extraordinária.

E sim, estamos com muita dificuldade para ver esses milagres.

Hoje pela manhã, quando li a notícia sobre mais uma matança de crianças na Palestina, com direito a requinte de crueldades, fiquei mais do que cega aos milagres. Entristeci.

Quando vejo o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, resultado direto do descaso aos alertas da ciência por parte daqueles que são postos na cadeira mais alta do governo, fico muito mais do que cega aos milagres. Entristeço e sinto raiva.

Quando leio o depoimento de um homem que confessa ter sido pago para matar uma mulher porque ela estava no caminho, tentando frear a milícia, que é uma ação perversa, cruel, tomando dinheiro do trabalhador em troca de serviços que o trabalhador já paga, em impostos, eu sinto raiva. E também entristeço e quase me desanimo.

Ainda há tempo?

Tempo para conseguirmos olhar para os céus e ver os milagres da vida sem nada que nos empane, nuble, irrite, desanime? Aqui e ali, sempre haverá nuvens. Mas… parece que nossa civilização atual está sobrecarregada delas. Os tempos andam cinzentos, por mais que o sol não deixe de brilhar  dias seguidos, como aconteceu aqui no Rio semana passada.

Decido me juntar à brincadeira sugerida por Agualusa, que criou uma espécie de caixa de ferramentas para os caçadores de meteoros. Mais ou menos assim: se eu resolvesse andar pelo mundo à cata de meteoros, o que levaria na bagagem? E vocês?

Beto, meu Shih tzu, fiel companheiro de todas as horas, é claro que teria que ir comigo.

E já que é para imaginar, eu e Beto pegaríamos vários meios de transporte: avião, navio, trem, ônibus. E iríamos parar até no fim do mundo, naquela cidade chamada Yakutsk, a mais fria do planeta, que fica na Sibéria. Lá não se pode beijar outra pessoa, com risco de que os lábios fiquem grudados nas bochechas ou em outros lábios. Bem, ficaríamos bem pouquinho tempo por lá, não deve ser muito confortável.

Eu levaria pouca roupa nessa viagem, e daquelas que secam rapidinho. Duas mudas: uma para vestir, outra para lavar. A comida? Bem, é um ponto sensível, que eu vou deixar para a imaginação resolver. Na hora a gente pensa nisso, usa uma varinha de condão e faz brotarem castanhas, nozes, grãos e cereais pelo caminho.

Porque agora eu quero mesmo é pensar nos livros que vou levar. Não posso levar todos, claro, porque os tenho muito, felizmente. E,  como será uma viagem de ida e volta, quero a companhia de alguns deles, sobretudo aqueles que me fizeram sonhar, que me ajudaram a ampliar meu pensamento.

Neste próprio fim de semana eu li, de um golpe só, “Concepções de natureza – Em Humboldt, Darwin e Lévi-Strauss’ (Ed. UFRJ), organizado por Christine Ruta e Mariana Contins. É um livrinho pequeno mas muito potente. Vejam o que escreve José Reginaldo Santos Gonçalves, um dos três autores, que cuidou do perfil de Lévi Strauss:

“Se passarmos a olhar o universo não mais tão somente como uma plataforma sobre a qual projetamos nossas classificações e interesses práticos ou teóricos; não mais apenas como objeto de pesquisa ou de exploração científica ou tecnológica (embora essa perspectiva tenha sido importante para os progressos técnicos e científicos na modernidade); se abrirmos a categoria ‘natureza’ e aí percebermos um universo composto por uma extensa diversidade de seres ativos, agentes não humanos dotados de perspectivas e intetresses distintos dos nossos…Na forte sugestão de Lévi-Strauss, seria o momento de falarmos não exclusivamente  nos ‘direitos humanos’ , mas nos ‘direitos da vida’.”

Não abro mão de pensar sobre a vida e, assim, inserir-me na categoria “seres ativos”. Como o Beto, como as andorinhas, as cobras, os lagartos, os pássaros, os leões, as dombeias (tipo de árvore que plantei aqui perto de casa), toda a flora… menos as pragas. Sei que as baratas também são seres ativos, mas procuro não pensar muito a respeito.

Levaria outros livros. Todos os do biólogo italiano Stefano Mancuso, amante das plantas num grau…

Levaria também biografias, como a de Friedrich Engels, que estou lendo no momento e que me deixa assim, de cara no chão, quando leio sobre tudo o que ele já sabia aos 24 anos.

“Morte e vida das grandes cidades”, de Jane Jacobs, todos os livros de Ailton Krenak e até o grosso “A queda do céu”, do cacique Kopenawa, porque penso que estarei muito dos xapiris, espíritos da floresta que encantam os indígenas.

Nesta minha viagem à caça de meteoros eu buscaria conhecer muita coisa, mas bem devagar. Dando chance ao meu pensamento de poder pensar sem ter medidas ou sem ter comparações, coisa difícil hoje em dia. Quero tudo novo, fazer um recomeço não de idade, mas de conhecimento. Quero fazer uma espécie de detox, jogando fora tantas tristezas. Quero não precisar me relacionar com pessoas e fatos  que me envergonham como ser ativo humano.

E vou me abrir, braços, mente, coração, vísceras, a tudo o que vier para me engrandecer.  Quem sabe assim me entristeço menos?

Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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