A Carta Magna da Nação das Plantas
bromelias 009

Voltei de uma viagem que fiz a uma Unidade de Conservação com estranhas sensações. Pássaros e plantas me pegam a olhá-los com uma compreensão que nada tem de mística – já que me reservo o direito de ser racional e materialista, embora sensível e respeitosa a todas as crenças – mas que está prenhe de erudição.

A pedido das Nações Unidas, celebramos o dia 22 de maio, esta segunda-feira que passou, como o Dia Internacional da Diversidade Biológica. Instigada pela agenda, decidi escrever minhas sensações, um misto de emoção pulsante e compreensível ceticismo quanto ao poder desse tipo de efeméride como fator propulsor de comportamentos mais reverenciais ao mundo de bichos e plantas. Justifico a minha emoção, trazendo aqui o pensamento de um dos meus autores prediletos e uma das autoridades na área de neurobiologia vegetal e autor de vários best sellers, o italiano Stefano Mancuso.

Folheei parte de sua mais recente obra, o “Nação das Plantas” (Ed. Papiro). E, como sempre acontece quando leio um texto de Mancuso, tenho uma imensa vontade de compartilhá-lo. Seu tom de prosa às vezes pode parecer irônico, mas nunca será deficiente em dados e muitas reflexões verdadeiras, atuais e facilmente atestadas.

Em “Nação das Plantas”, Mancuso faz uma espécie de Carta Magna para as plantas, com oito artigos. “Baseando -se nos princípios gerais que regulam a convivência das plantas, estabelece normas que têm como sujeitos todos os seres humanos”, escreveu ele quando apresentou seu livro num artigo para o jornal português “Público”.

Passamos por uma ode à vida ao folhearmos o livro. Com a ajuda das reflexões de Mancuso, nós, os progressistas sensíveis, não temos outro jeito senão irmos nos despindo, lenta e racionalmente, da nossa inata postura de última bolacha do pacote. Se você acordou hoje preocupado com o seu investimento em bolsa, com a bronca do seu chefe, com as diabruras dos filhos, pare um pouquinho só para pensar o que seria este mundo… sem plantas. É este o convite.

E mais: se você acha que somos mesmo a última bolacha porque estamos em maior número no planeta… é melhor descer do palco. 

“O homem, com seus mais de 7,5 bilhões da espécie, representa uma biomassa (ou seja, uma massa viva) igual a um décimo de milésimo da biomassa total do planeta. Pelo seu número e relevância, a soberania da Terra deveria pertencer às plantas”, explica Mancuso no livro.

Se é assim, então somos os mais inteligentes, o que nos confere a posse da soberania. Será mesmo?  Pensa o seguinte: dia após dia estamos dando maior importância ao capital do que ao meio ambiente. E nossa ciência vem avisando que não vai dar certo, que precisamos priorizar um modo sustentável de viver por aqui, de usar os bens naturais a nosso favor, não contra.

 Mas, a despeito dos alertas, como se sabe, continuamos emitindo gases que as árvores precisam sequestrar para que possamos respirar. E continuamos matando as árvores em vez de torná-las quase santuários, como deveriam ser os seres que nos garantem a vida. (Já parou para pensar que conseguimos viver sem comida um bom tempo, sem água um tempo menor, mas que o ar não nos pode faltar mais do que minutos?)

“Desde quando o destino de outras espécies alguma vez representou limite para nossas ações?”, pergunta-nos Stefano Mancuso.

Noves fora, meus amigos leitores, o que realmente torna nosso planeta tão especial na galáxia onde estamos localizados é… a vida.

“Não são as dimensões, e sim a vida que torna o nosso planeta tão especial. É a existência de vida que confere complexidade ao nosso planeta. A verdade é que muito do que vemos sobre a Terra é o resultado da ação de organismos vivos”, escreve nosso caro autor.

Aqui no Brasil, temos uma Constituição que prevê os cuidados com o meio ambiente, mas repetidamente ouvimos o canto do progresso a nos desafiar a razão. Na verdade, nos embrenhamos em um modo de vida que depende de  líquidos e outras substâncias retirados das entranhas da Terra. Para fazer isso, usamos máquinas que destroem, não tem jeito. Estamos aptos a minorar essa destruição com ferramentas mais espertas, sim, mas o processo industrial sempre acarretará na morte de alguma árvore deixará de sequestrar carbono para nós, de algum bicho que deixará de polinizar e garantir-nos o alimento necessário.

É assim mesmo. Em tese, não há bandidos nem mocinhos nessa história. Estamos na era dos paradoxos. Nossos desejos viraram necessidades, e é difícil conter a sanha do consumo, sobretudo nos países ricos do hemisfério Norte. Temos um rolo compressor, a China, que viaja em trens-bala para ser o maior do mundo, e já já vamos começar a ouvir falar da África também no quesito “crescimento econômico”. O continente, felizmente para muitos, está se desenvolvendo.

Voltamos, então, ao nosso triste  desafio. Só estamos podendo compartilhar essas reflexões agora, nesse dispositivo que você está usando e no qual estou escrevendo, à custa de algum dano ao meio ambiente.

Merece, portanto, que se comemore o Dia da Biodiversidade para espalhar essas reflexões aos quatro cantos. Não somos a última bolacha, precisamos arrumar um jeito de estarmos no planeta em consonância com os outros seres. Para a sorte deles, e nossa, temos a inteligência, que pode ser usada a nosso favor, para criar métodos menos danosos de crescimento. E muito tem sido feito neste sentido.

Para terminar este texto que não pretende ser mais do que um momento de reflexão, transcrevo a Constituição da “Nação das Plantas”, tal qual foi criada por Stefano Mancuso. Os oito artigos merecem atenção:

Artigo 1.º – A Terra é a casa comum da vida. A soberania pertence a cada um dos seres vivos.

Artigo 2.º – A Nação das Plantas reconhece e garante os direitos invioláveis das comunidades naturais enquanto sociedades assentes nas relações entre os organismos que as compõem.

Artigo 3.º – A Nação das Plantas não reconhece as hierarquias animais, fundadas em centros de comando e funções concentradas, favorecendo antes democracias vegetais difusas e descentralizadas.

Artigo 4.º – A Nação das Plantas respeita universalmente os direitos dos atuais seres vivos e os das próximas gerações.

Artigo 5.º – A Nação das Plantas garante o direito a água, solo e atmosfera limpa.

Artigo 6.º – É proibido o consumo de quaisquer recursos naturais não renováveis para as gerações futuras de seres vivos.

Artigo 7.º – A Nação das Plantas não tem fronteiras. Todos os seres vivos são livres de se deslocarem, transferirem e viverem nela sem qualquer limitação.

Artigo 8.º – A Nação das Plantas reconhece e incentiva o apoio mútuo entre as diferentes comunidades naturais de seres vivos enquanto instrumento de convivência e de progresso.

Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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