Com algum atraso, mas com um sincero sentimento, parabenizo a Terra pelo seu dia, comemorado no sábado passado, dia 22 de abril. Na verdade, apesar de achar interessante que se tenha criado tal efeméride, julgo necessário dizer que, para mim, funciona exatamente como uma oportunidade de se fazer as pessoas pararem um pouco que seja, nessa loucura do dia a dia, para olhar em torno com olhar e ouvidos atentos. Alguma coisa nova vai acontecer, eu garanto.
Para além dessa singela e individualizada homenagem, porém, convido os meus leitores para algumas reflexões a respeito. Mas, pretendo fazer diferente, ao menos dessa vez, e tentar trazer alguma leveza ao tema. Será que consigo?
Para isto, preciso antes de mais nada afastar-me dos noticiários de guerra. Porque não é possível caber, numa mesma frase, pensamentos que nos levem a reverenciar nosso meio ambiente e que atestam a sanha de alguns líderes pelo poder, por mais território.
Uma pesquisa realizada pelo conceituado Instituto de Pesquisa da Paz Internacional, de Estocolmo, lançada nesta segunda-feira (24), atesta o grau de estupidez de alguns líderes que teimam em negligenciar os cuidados que a Terra tem exigido para manter a humanidade aqui, e respirando. Segundo este estudo, “o gasto militar global total aumentou 3,7% em termos reais em 2022, atingindo um novo recorde de US$ 2.240 bilhões. Os gastos militares na Europa tiveram seu maior aumento ano a ano em pelo menos 30 anos”.
É uma equação, infelizmente, de fácil resposta: se os grandes países estão investido em armas, como imaginar que eles possam estar, verdadeiramente, ocupados em tratar com mais respeito o meio ambiente e amenizar a intensidade dos impactos que causamos?
Mas prometi leveza neste texto, e pretendo cumprir. Primeiro, com a notícia do lançamento de um livro que conta a história das Restingas! Sim, amanhã, dia 28, é dia de se homenagear as restingas. E também será dia do lançamento do livro “A casa de todos os ninhos”, editado pelo Instituto Coral Vivo (ICV). Uma obra poética que une literatura e saber científico para conscientizar a população brasileira sobre a necessidade de conservação de um dos ambientes mais ameaçados e pouco conhecidos da Mata Atlântica.
O público alvo do livro são crianças e/ou adultos em fase de consolidação de alfabetização. E vai ficar disponível para download gratuito nos sites do Instituto Coral Vivo e da empresa Gás Natural (GNA), o que aumenta muito o acesso. Já vi o PDF e é lindo demais, vale a pena escolher uma hora tranquila do dia para ler com seu ou sua filho(a).
O livro tem poemas de Bia Hetzel e Roseana Murray, é ilustrado por Mariana Massarani, queridinha das crianças e tem projeto gráfico de Silvia Negreiros. Um jeito delicioso de se apresentar às crianças um dos ambientes menos respeitados pelos humanos. Só para ilustrar, vejam que sensibilidade deste verso:
Na casa de todos os ninhos,
Há que entrar devagarinho,
Para não esmigalhar
Os ovos dos bichos,
Os mais variados:
Tartarugas, cobras, caranguejos,
Lagartos, jacarés e passarinhos
Fico feliz porque uma geração inteira que está agora aprendendo a ler saberá que Restinga é um lugar de vida. Que com ela não se brinca. E que é bom respeitá-la. Quando eu tinha idade de começar a me encantar pelas leituras, adivinhem? Não, eu não fui informada de nada disso. Como muitos de minha geração.
Qual o motivo de tanta alienação?
Não se pode culpar a falta de informação. Líderes, mesmo aqueles ocupados em guerrear, reuniram-se pela primeira vez em 1972 para uma Conferência Mundial do Meio Ambiente. A reunião aconteceu em Estocolmo e os participantes produziram um livro que tenho aqui na minha estante, chamado “Uma terra Somente” (Ed. USP).
É um livro muito interessante porque nos dá a oportunidade de olhar a nossa história sob a lente das mudanças climáticas e conhecer mais profundamente o limite de nosso conhecimento sobre os impactos da ação humana sobre o meio ambiente. Cito um trecho, e volto a lembrar que foi escrito ainda no início da década de 1970:
“Em resumo, os dois mundos do Homem: a biosfera, que herdou, e a tecnosfera, que criou, estão desequilibrados e de fato potencialmente em profundo conflito. E o Homem está no meio. Esta é a conjuntura da História em que nos encontramos: a porta do futuro abrindo-se para uma crise mais brusca, mais global, mais inevitável e mais desconcertante do que qualquer outra já defrontada pela espécie humana que tomará forma decisiva dentro do lapso de vida das crianças que já nasceram”.
Vinte anos depois, a humanidade conseguiu produzir outro documento histórico e muito difundido: a Carta da Terra. Lançada na esteira da Conferência Rio-92, ela teve uma inusitada parceria na sua elaboração: projeto foi iniciado sob a coordenação do governo da Holanda, em parceria com Maurice Strong, subsecretário da Organização das Nações Unidas (ONU) na época, e o então presidente da Rússia, Mikhaul Gorbachev. Diz a carta que endereçamos ao nosso planeta há trinta anos:
“Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, esgotamento dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente […] A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida.”
Ao que parece, pelos eventos extremos que são hoje o maior cartão de visitas das mudanças climáticas, não fizemos a melhor escolha.
Termino este texto, que não conseguiu ser tão leve quanto eu gostaria, com uma citação de um vídeo incrível que recomendo muito a vocês. “Nosso planeta, nosso legado” foi produzido e dirigido por Yann Arthus-Bertrand. Pode ser visto aqui na mostra Eco Falante. Tem imagens poderosas e uma reflexão lúcida de um profissional que desde a juventude se juntou ao meio ambiente com o intuito de trazer informações para a humanidade.
“Todas as espécies vivas são movidas por um impulso de sobreviver para que possam e reproduzir. A energia deles é canalizada para este fim. Acumule, coma, domine, reproduza. Essas são as forças motrizes de toda a energia na Terra”.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.