Para alguns, foi o carnaval da democracia. Mas vamos ampliar este termo? Aqui no Rio de Janeiro, foi mesmo o carnaval do povo na rua. Da volta da bagunça boa, do gingado irreverente, das fantasias que nem se fala. Volta daquela doce rotina de quatro dias sem rotina. (A foto que ilustra este texto é de Custódio Coimbra, que fez o flagrante num bloco do Centro do Rio).
Tem gente que sai de manhã com os documentos, o cartão e algum dinheiro. Para voltar à hora que for. Para se jogar numa folia qualquer, com amigos ou sozinho, sozinha. Tanto faz. O importante foi brincar o carnaval, soltar aquele grito que ficou parado por causa da pandemia.
Ontem mesmo ouvi de uma amiga que seu filho usou a passagem para o Brasil, vindo da Holanda, para viver a primeira folia da era Lula pós… bem, pós tudo aquilo que sabemos.
Saí pouco, mas o que vi me fez confiar. A esperança voltou, perdoem-me o clichê.
A cada esquina, em cada canto, se não tinha um bloco já formado, tinha alguém procurando um bloco. Sensacional. As pessoas se fantasiavam, se maquiavam, tornavam-se coloridas e lindas, em busca da folia. Onde tivesse uma música, uma batucada, um grupo de foliões, ali mesmo a pessoa ficava.
Foliões… há quanto tempo não resgatávamos essa palavra? Se, no Sambódromo, para entrar é preciso mostrar crachá de plástico com fotografia, nas ruas do Rio a identificação era simbólica. Era só chegar junto, entrar no samba – mesmo que só no refrão – começar a balançar o corpo, e pronto! Viva a folia e os foliões.
Como não pode deixar de ser, há sempre um lado pouco positivo. Em muitos blocos aconteceram arrastões. Levavam celulares, carteiras, e o que tivesse na frente das hordas de bandidos que não perdem a chance de atuar inescrupulosamente quando vêm oportunidade. E a oportunidade, dessa vez, era a alegria, o querer estar bem e não se preocupar com nada.
Tanto peso que tiramos das costas…
A vida não é assim sempre, claro. E nem faria muito sentido mesmo. Mas é tão bom esquecer os problemas, tão bom fazer de conta que a cidade estava organizada. Não, a gente sabe que não estava, a gente sabe que houve várias falhas. Mas… não é que até mesmo o sol não quis nublar?
O tom triste ficou por conta do fato de que a frente fria que estava prevista para chegar e esfriar os ânimos no fim de semana do carnaval, ficou em São Paulo. Uma massa de ar seco segurou-a justo no litoral, onde caiu uma chuva/dilúvio. E como sói acontecer, por falta de uma urbanização consciente, inclusiva, por falta de autoridades que levem a sério os inúmeros alertas feitos pelos cientistas de que os eventos extremos vão se tornar cada vez mais intensos e mais frequentes.
É assim este nosso tempo. Mal conseguimos uma brecha na preocupação para fazer da folia nosso mote, e já nos deparamos com um grande absurdo, desses que nos tira o sono. Como minimizar novas tragédias como a que aconteceu no litoral de São Paulo?
Nabil Bonduki, escritor e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, escreveu um artigo no qual alerta para o fato de que “a adaptação das cidades à emergência climática exige estratégias diferentes, que levem em conta o meio físico, a estrutura urbana e a base econômica”. Recomendo a leitura. E recomendo que fiquemos atentos, verdadeiramente, às emergências climáticas. O que nós, cidadãos comuns, podemos fazer? Cobrar dos candidatos, durante as eleições a qualquer cargo, que tenham compromisso com essa questão.
O presidente Lula mostrou-se e está comprometido. Não dá mais para fazer de conta que o clima “sempre foi assim”.
Bonduki lembra que as ainda tímidas iniciativas que se consegue dos líderes com relação ao enfrentamento às questões climáticas são insuficientes e só vão gerar efeitos a longo prazo. Precisamos de ações hoje, agora, já, para evitar mais tragédias.
E assim foi nosso carnaval. Folia, tempo bonito, povo na rua de um lado enquanto, de outro, tristeza, drama, chuva, imperícia para lidar com eventos extremos.
Que se consiga conquistar um equilíbrio.