Desde o dia 6 de novembro, no resort egípcio Sharm El Sheikh, líderes de nações do mundo todo estão reunidos em torno da pauta ambiental. Trata-se da Conferência do Clima, convocada pela ONU, que recebe o título de COP27.
O evento está acontecendo em meio a um turbilhão civilizacional – guerra na Ucrânia, eleições brasileiras e estadunidenses, crise do trabalho, pandemia, fome. Para quem não consegue ver elo entre essas questões e as mudanças climáticas, fica difícil perceber a importância da COP.
Antes de mais nada: não se trata só de salvar a Amazônia. Trata-se, sobretudo, de salvar a vida de milhares de pessoas no mundo todo que já estão em risco, vulneráveis aos eventos extremos. Seca, tormentas e aumento do nível do mar não são mais riscos que vamos enfrentar somente no final do século. Já estão acontecendo. E causando danos.
Nos últimos 50 anos, mais de dois millhões de pessoas morreram por causa de tais eventos.
Tão triste quanto a perda de tantas vidas é saber que aqueles que não morreram, e vivem nesses territórios de risco, estão sob intensa tensão o tempo todo. E este é o foco de quem leva para a COP27 a mensagem sobre financiamento climático.
O ponto fundamental é: há pelo menos cinco décadas, quando aconteceu a primeira Conferência do Clima, em Estocolmo, sabe-se que as emissões causadas pela industrialização (carvão) e pelo uso excessivo de combustíveis fósseis (petróleo) impactam seriamente o meio ambiente a ponto de estressar a vida dos humanos. E o que tem sido feito?
Conseguimos alguns avanços, sim. A Rio92, por exemplo, segundo o Greenpeace, inspirou um movimento de ambientalistas que começou a chamar muito a atenção para o problema do desmatamento. É simples: árvores absorvem o carbono. Menos árvores, mais carbono, mais eventos extremos.
O elemento-chave que conduz o debate, como se pode imaginar, é o capital.
Como convencer empresários, habituados a transformar bens naturais em recursos, de que é preciso manter a floresta em pé? É só dar uma olhada, por exemplo, no tamanho daquele cargueiro de 220 mil toneladas e 400 metros de comprimento que em março do ano passado encalhou no canal de Suez, uma das passagens mais importantes para o comércio mundial, para se imaginar o tamanho do imbróglio.
A quantidade de suprimentos, objetos, que vão de um canto a outro do mundo é o símbolo de nossa era. E, talvez, o símbolo de todos os nossos problemas, incluindo as pandemias.
Voltando à COP27… o tema recorrente da reunião deste ano é, justamente, o financiamento, dizem especialistas. Países pobres se dizem vítimas porque, no fim das contas, eles são os que menos emitem gases poluentes. Na lista dos maiores emissores só há um país, Africa do Sul, no continente africano. No entanto, o país africano Senegal é um dos que mais sofre com eventos extremos.
Contas de um relatório co-assinado pelo escritor, professor de economia e fellow da Royal Society Nicholas Stern e apresentado na COP27 mostram que serão necessários 2 trilhões de dólares a cada ano até 2030 para ajudar os países pobres a lidar com os efeitos do colapso climático e reduzir mais suas emissões. Em 2009 foi feito um compromisso neste sentido, de criar um fundo de ajuda, sistematicamente descumprido desde então.
Gro Brundtland, ex-ministra da Noruega, quando esteve no Brasil em 2007, disse que a questão é sensível. Afinal, segundo ela, os países pobres também já se beneficiam do desenvolvimento, importam e exportam, usam tecnologias. Ou seja: muita discussão pela frente ainda.
Para os brasileiros, a COP27 tem um gosto especial, de reconstrução da nossa imagem internacional, tão combalida por conta dos desmandos praticados pelo governo Bolsonaro. O presidente eleito Lula da Silva estará no Egito a partir de terça-feira (15), e já tem dez pedidos de encontros com chefes de outras nações.
A ex-ministra Marina Silva, que faz parte do governo de transição, já está no Egito, e fez uma declaração contundente durante um encontro no Brazil Climate Action Hub, o espaço da sociedade civil brasileira na COP27. Ali ela defendeu, enfaticamente, a criação da Autoridade Nacional para a Mudança Climática. A foto que ilustra este texto é de Ellen Monielle/Iyaleta e mostra o evento “Perdas e danos” em que Marina Silva falou.
“Como somos um país vulnerável e já vivemos os efeitos da mudança climática, é perfeitamente cabível termos uma autoridade nacional para fiscalizar o setor público”, disse a ex-ministra.
Marina Silva é respeitada mundialmente por sua conduta séria e assertiva nas questões relacionadas ao uso dos bens naturais para desenvolver a nação.
“O Brasil não vai deixar de ser uma potência agrícola, mas vamos aumentar a produção com ganho de produtividade, não por expansão predatória da fronteira agrícola””, disse ela.
Por que é importante a COP27?
Por tudo isso dito acima, e mais: é uma chance de a civilização se deparar com questões que têm a ver com todos nós. E com a desigualdade, que fica ainda mais escancarada quando se sabe que os danos causados pelos impactos ambientais são mais perniciosos para os mais pobres.
É, ainda, um tempo que pode permitir alguma reflexão. E lamentarmos o tempo que estamos perdendo antes de encararmos de frente o problema. Vai ser preciso regular produção e consumo para alcançarmos um nível mais baixo de emissões. E vai ser preciso ajudar os mais pobres a sobreviverem.
Mas, no meio disso, há uma guerra. E trilhões de dólares são gastos para comprar armas. O que mostra que nosso problema também é de desconexão com a realidade. Ou de falta de empatia com o outro. A escolher.
Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.