Que fim terão as grandes cidades no mundo pós pandêmico?
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Os grandes centros urbanos, por onde passavam inúmeras pessoas diariamente, agora estão mais vazios de gente.

Nossas cidades estão usando máscaras, como nós. Tamanho temor pela doença e necessidade de isolamento social nos fez abandoná-las à própria sorte. As ruas estão vazias. Bulevares antes aglomerados hoje são apenas uma vaga lembrança do que foram. Quem precisa circular pelas ruas, geralmente o faz de forma apressada, querendo logo chegar ao destino. Não se vê mais pessoas de mãos no bolso, assobiando e andando a passos de dança. O balé urbano mudou de ritmo, as folhas que caem das árvores se acumulam no chão.

Parceiro do economista alemão Klaus Schwab (fundador do Forum Econômico Global) no livro “Covid-19: The Great Reset” (ainda sem tradução no Brasil), o também economista Thierry Malleret disse, numa live de lançamento do livro para italianos, que as cidades já estão se transformando.  Grandes metrópoles como Nova York, Jacartha, Shangai, estão mais vazias. Para se ter uma ideia, em Nova York 20% dos prédios foram desocupados.

 Talvez aconteça uma espécie de residencialização dos Centros, projeto que tem estado em debate aqui na prefeitura do Rio de Janeiro. Mas, certamente, passarão a ser lugares menos habitados, os aluguéis vão baratear. E as pessoas que têm condições financeiras, buscarão locais menos densamente povoados para morar, os subúrbios. Ou, no nosso caso, a Serra.

Imaginar como ficarão as macro finanças das cidades diante de um cenário tão diferente é tarefa para macroeconomistas.  Mas alguns estudiosos que se debruçam sobre questões urbanas estão fazendo projeções sobre o futuro das metrópoles num mundo livre de pandemia. É sempre bom acompanhar.

Os países que conseguirem se organizar, com um sistema de saúde eficaz, vacinação rápida, além de fazerem um controle migratório e turístico, como Nova Zelândia, por exemplo, certamente verão suas grandes cidades renascerem. Esta é a opinião de Edward Glaeser, professor de economia de Harvard, que se dedica a estudar a economia das grandes cidades e escreveu “Os Centros Urbanos – a maior invenção da Humanidade” (Ed. Campus) em 2011. Glaeser defende arduamente os grandes centros, já que os humanos são essencialmente gregários e precisam uns dos outros para criar.

Edward Glaeser e Jane Jacobs ajudam a refletir sobre nossas cidades

Com a pandemia, no entanto, fomos obrigados a abrir mão desse instinto arraigado, de buscar uns aos outros para criar formas de estar no mundo de maneira mais confortável . Mas os jovens querem voltar a ser humanos.  E pressionarão seus governos para arrumar soluções de saúde adequadas, acredita o professor. Os jovens, embora lidem muito bem com a tecnologia que permite o contato virtual, sofrem com o isolamento mais do que os adultos, acredita Glaeser, que recentemente também fez uma palestra na universidade onde leciona, disponível na internet.

Escritora e ativista política do Canadá, Jane Jacobs, morta em 2006 aos 90 anos, não acompanhou a mudança nos grandes centros provocada pela doença. Seu livro mais conhecido é “Morte e vida de grandes cidades” (Ed. Martins Fontes), lançado nos Estados Unidos em 1961. O tema central da obra é Nova York, cidade onde Jane viveu. A escritora usa uma linguagem bem atraente, conta histórias a partir de sua própria vivência e, deste jeito, vai construindo uma narrativa de oposição ao estilo higienizado e asséptico criado pelos arquitetos dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciam). O Ciam foi uma instituição lançada na Europa nos anos 20, depois da I Guerra, para defender e difundir um ideário de arquitetura e do urbanismo modernos. Na verdade, para recuperar grande parte das cidades que foram derrubadas com os bombardeios.

Para Jane, cidade tem que ser diversa, pobre misturado com rico, rico misturado com remediado, todo mundo experimentando a vida. E assim vai se ajeitando. Não adianta impor um padrão, porque nós, humanos, não somos padronizados. A escritora enfeitiça com seu texto, constrói pensamentos e linka outros. Sua obra não está defasada por conta dos últimos acontecimentos. Nada disso. Serve, isto sim, para que se reflita sobre nossas perdas, inclusive de estilo de vida. E, quem sabe, para atiçar mudanças no modo como lidamos com o ambiente ao redor. Só assim, acreditam os estudiosos, poderemos continuar como espécie aqui no planeta.

Uma frase de Jane Jacobs, em especial, é bem coordenada com o momento que o mundo vive, sobretudo se levarmos em conta que a pandemia escancarou a face mais obscura da tremenda desigualdade social.

“Há um aspecto ainda mais vil que a feiura ou a desordem patentes, que é a máscara ignóbil da pretensa ordem, estabelecida por meio do menosprezo ou da supressão da ordem verdadeira que luta para existir e ser atendida.”

Boas reflexões.

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