2023: o ano mais quente da história. E nós, como ficamos?
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Uma área de cobertura de gelo de tamanho equivalente à França e Alemanha somadas se perdeu em 2023. Neste mesmo ano, 333 milhões de pessoas enfrentaram insegurança alimentar no mundo devido aos extremos climáticos que, segundo um relatório do Banco Mundial, ate´2050 obrigarão 216 milhões de pessoas a procurarem outro território para viver.

Na semana passada, a Organização Mundial de Meteorologia (OMM) lançou um relatório com os dados acima, confirmando que 2023 foi o ano mais quente da história do mundo, e esteve 1,45 graus  acima da média do período pré-industrial. O documento traça um cenário pior do que o esperado, considerando que em 2015, quando as Nações Unidas assinaram o Acordo de Paris, a meta que se queria alcançar era não ultrapassar 1.5° no fim do século.

Na verdade, o que aconteceu, segundo os estudiosos, é que tanto a concentração de gases do efeito estufa, quanto a elevação do nível do mar, a temperatura da superfície terrestre e dos oceanos, a cobertura de gelo da Antártica e a retração de geleiras excederam todas as previsões possíveis para manter um nível de aquecimento que não causasse transtornos. O início das medições foi há 50 anos, em 1974, ou seja, dois anos depois da primeira Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente que aconteceu em Estocolmo.

Naquela reunião, convocada pelas Nações Unidas em junho de 1972, a preocupação já existia, mas estava concentrada no efeito da poluição sobre o planeta. O texto do livro “Um só planeta”, feito com ajuda 152 especialistas, de 58 países, que formavam um Comitê de Consultores Correspondentes, foi uma espécie de compilação do que foi discutido na Conferência. A qualidade ambiental subordinada aos objetivos desenvolvimentistas já aparecia como uma questão. Mas não foi tão forte a ponto de provocar mudanças.

Em 2023, o milionário Bill Gates, que certamente não esteve na Conferência de 72, lançou o livro ‘Como evitar um desastre climático” (Ed. Companhia das Letras), em que afirma:

“Se nada mudar, o mundo seguirá produzindo gases de efeito estufa, as mudanças climáticas continuarão a se agravar e o impacto sobre os seres humanos será catastrófico”.

Parece que estamos, o tempo todo, evitando falar no presente. Não “será” catastrófico o impacto. Já está sendo. Não adianta muito mais falar em prevenir, mas em como ajudar aqueles que já estão sendo vítimas. Ondas de calor, secas, inundações, deslizamentos, ciclones e incêndios florestais se intensificaram em 2023, segundo o relatório da OMM. Há ciclones acontecendo com uma intensidade e uma constância jamais vistas.

Além de tudo isso, a desigualdade social faz também seu efeito implacável sobre os mais pobres. O número de pessoas expostas à fome mais do que dobrou, o que põe em xeque a preocupação do passado, exposta por muitos em Estocolmo, de que se não tivéssemos liberdade para destruir o meio ambiente, não haveria desenvolvimento no mundo. A pergunta é: a quem o desenvolvimento ajudou, verdadeiramente?

Considerando que a humanidade fez o maior estrago no meio ambiente em busca de energia para transportar, primeiro produtos alimentícios, depois a si própria, a esperança apontada pelo relatório da OMM se deposita em fontes renováveis de energia. O petróleo, o carvão mineral e o gás natura, usados como combustível, são os responsáveis por cerca de 60% do efeito estufa.

Hidrelétricas, hidrogênio, eólica, solar são as apostas mais altas. Combustível feito com cana, soja, gordura de animal também vêm sendo testados. Bill Gates, dono da TerraPower, que planeja construir uma usina nuclear, diz que é a melhor fonte para o futuro. A conferir.

A questão é que estamos na era dos paradoxos.

Agora mesmo, enquanto escrevo este texto, saiu a notícia de que, mais de duas décadas após o último voo do Concorde, empresas privadas estão competindo para trazer de volta as viagens supersônicas para o mercado comercial. A matéria, feita por agências internacionais, diz que o avião seria “mais ecológico”. Mas, lendo até o fim, entende-se que o “ecológico” é apenas um desejo. Fato real é que o avião transporta muito menos gente e que a fonte usada como combustível seria a soja, o que quer dizer, mais desmatamento, que causa mais emissões de gases de efeito estufa. Ou seja: será, caso ocorra de fato, apenas uma maquiagem para vender uma boa intenção. Greenwashing, no fim e ao cabo.

Tenho escrito repetidas vezes: nosso único caminho seria – não acredito que será – uma radical mudança de produção e consumo. E tal mudança exigiria respeito, palavra que anda em falta. Não podemos esperar, de uma civilização que convive com líderes que declaram guerra, que investem mais em armamentos do que em saúde.

Portanto, a solução virá das pequenas causas, da micropolítica, do oxigênio que conseguirmos gerar a partir da nossa própria busca por saúde. É no que acredito.

Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável e colabora na Revista Colaborativa Pluriverso e aqui, na revista Entrenós, uma parceria da Casa Monte Alegre e a Pluriverso.

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